Filosofia na vida real | Parêntese

Eduardo Vicentini: Até que a razão os separe. Cena 3: Michel de Montaigne

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Eduardo Vicentini: Até que a razão os separe. Cena 3: Michel de Montaigne
Nesta seção, ao longo de dez ensaios, o professor de filosofia da UFSM propõe uma curiosa incursão filosófica sobre nada menos que o casamento. A cada semana, um capítulo novo, a partir de pensadores e pensadoras que se dedicaram ao tema. Leia aqui o anterior, sobre Christine de Pizan. A filosofia do casamento, enquanto crítica da cultura, é nutrida por espiadelas no retrovisor. É prudente olhar para trás antes de seguir adiante. Podemos fazer várias coisas com o passado. Reviver, apagar, cultuar, reescrever e amaldiçoar são algumas das opções disponíveis. A Renascença é um desses momentos extraordinários de reapropriação de tempos idos. Entre a metade do século XIV e o fim do XVI, o pensamento europeu mirava-se no espelho e via retratos da antiguidade greco-romana nos pontos de fuga. A construção more geometrico da perspectiva filosófica do renascimento é uma habilíssima arte da ilusão. Não pense que é moleza pintar Sócrates, Pirro, Zenão, Epicuro, Jesus, Cícero, Sêneca, Sexto Empírico e São Tomás, deambulando de mãos dadas nalgum Jardim das Delícias Terrenas. É missão dificultosa criar um senso de continuidade para tanta diversidade, sem deixar a impressão que você está perdido em uma cena maluca do Bosch. Michel de Montaigne (1533-1592) foi um arquiteto habilidoso na construção de pontes culturais de larga extensão.  E sua apreciação da instituição do casamento é um momento privilegiado na história que estamos tentando contar. Privilegiado em razão dos contrastes que ele propõe para o modelo do casamento cristalizado no jusnaturalismo medieval. Quando Montaigne inicia o périplo de duas décadas para a escrita dos Ensaios, a visão aristotélico-tomista do casamento já maturava por três séculos nas barricas da Idade Média, enraizando-se no âmago da cultura letrada do Ocidente.  Autorretrato com Isabella Brant. Imagem renascentista pintada por Rubens. 1609-1610. (Fonte: Peter-Paul-Rubens.org) No Concílio de Trento, de 1563, o catolicismo faz seu movimento mais efetivo para reivindicar o mando do campinho matrimonial, disputando a bola contra o time dos protestantes que resistiram (e ainda resistem) à ideia do casamento como sacramento. Quereis a bênção do papa de plantão para a monogâmica e imorredoura união com vossa “conje”? Então é melhor providenciar um padre oficial, em uma igreja oficial, testemunhas e proclamas, tudo igualmente oficial e carimbado na burocracia da paróquia. “Fazei isso em memória de mim” e para a boa persecução dos fins do matrimônio. Que são, recapitulando para os desmemoriados:  geração, criação e educação da prole;promover a fides, isto é, amizade conjugal, com ajuda mútua e o compartilhamento da vida doméstica;ampliar as possibilidades de amizade, em razão dos laços criados pelo matrimônio de indivíduos de famílias diferentes;servir como remedium concupiscentiae, isto é, colocar água na fervura, diminuir o fogo da rapaziada ou, em linguagem aristotélico-tomista, ordenar os desejos carnais em conformidade com a razão.  Por um lado, Montaigne contrastará esta visão com a novíssima curiosidade etnográfica sobre os costumes dos povos do Novo Mundo. Por outro, a recolocará em diálogo com a Roma antiga, utilizando Virgílio e Lucrécio como os bodes na antessala do sexo.  Para apresentar estes contrastes […]

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