Galeria breve | Parêntese

Magliani, a artista nômade

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Magliani, a artista nômade Magliani – divulgação
Apresento um revelador trecho de uma das incontáveis cartas que recebi da pintora Magliani. Foram cinquenta anos de convivência, uma irmã da vida. O tom é francamente confessional: “Cansei de tentar contato com pessoas que me ignoraram, sistematicamente…” Um raro desabafo que chegava, confesso, numa madrugada de ventos frios e uivantes naquele 3 de maio de 2006, na praia fluminense de Cabo Frio, um dos múltiplos endereços nos quais, desde que saíra de Porto Alegre, em 1980, a nômade Magliani havia se instalado. “Venha morar num balneário, distante do circuito de galerias.”  Assim surgiu a proposta de duas amigas de Minas Gerais que haviam casado e lá construíram duas casas no mesmo terreno, unidas ao centro por uma área coberta mas sem portas e janelas onde funcionava o espaço comum de cozinha e lavanderia. Duas casas, uma para morar e outra para alugar, e ao fundo uma eclusa ensolarada que Magliani, munida de tintas, papéis e pincéis, ocupava, livre de aluguel, guardada por dois gansos naturalmente infernais. Era uma pura cortesia.  Desse modo, e em constantes mudanças, desenvolveu-se a aparentemente inconstante artista plástica Maria Lídia dos Santos Magliani (Pelotas, RS, 1946 – Rio de Janeiro, RJ, 2012). Viveu em São Paulo com longas e descontínuas permanências na histórica Tiradentes. Uma descoberta curtida entre temporadas alternadas até residir e tornar-se membro atuante na comunidade cultural. Depois, no Rio de Janeiro revestiu-se de um caráter especial, com entradas e saídas, mas sempre fixada ao bairro dos artistas, Santa Teresa. A menina que na infância pelotense brincou com marionetes criadas pelo avô paterno, lombardo e italiano de nascimento, um modesto pintor de paredes decorativas, e com ele descobriu cedo sua vocação artística. Mais tarde, incentivada pelo pai, Antônio, funcionário público, que comprava sacos de aniagem para montar telas para a filha, viu sua primogênita ingressar e formar-se, em 1966, no antigo Instituto de Belas Artes da UFRGS, e imediatamente após ver seu talento igualado a nomes de consolidada carreira.  Mulher, negra, artista, atriz ou atriz, artista, negra, mulher: seria descrita em qual ordem? Quatro estigmas a enfrentar, a desafiar uma sociedade machista, provinciana e racista que, em seu particular caso, tornaram-se itens com sabor folclórico. Atriz de 1967 a 1972. Mulher negra, mignon e bela, namorou brancos, muitos, e soube buscar seu lugar ao lado de seu único amor oficial, o ator Francisco Aron, um romance iniciado nas coxias teatrais de Porto Alegre e vivido com intensidade e madurez na Paulicéia até seu término, quando ele, artista fugitivo, deixa o Brasil e passa a viver exilado em Paris.  É quando então, convidada pela artista plástica mineira Marijô Boaventura, descobre e vai viver em Tiradentes, onde desempenhou franca atividade, chegando ao ponto alto de sua liberdade artística. Dona de seu tempo e vivendo uma vida mais barata, cria desconcertantes esculturas em papier maché. A que fora jovem pintora e misturara terra em suas tintas, em parte por necessidade econômica, tornava escuras e espessas a textura e as tonalidades das pinturas iniciais. Nessa época o […]

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