Nossos Mortos

Perdemos nosso Dorival

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Perdemos nosso Dorival O dia em que Dorival encarou a guarda: João Acaiabe (à direita) com Sirmar Antunes, o Sargento. Foto: Acervo Casa de Cinema

Já que era primeiro de abril, parecia uma péssima piada. Mas era pior: João Acaiabe, o grande ator brasileiro de “O dia em que Dorival encarou a guarda” tinha acabado de nos deixar, aos 76 anos. Mais uma vítima da peste, no país que optou por eleger a peste.

Acaiabe foi o contador de histórias do “Bambalalão” da TV Cultura, foi o Tio Barnabé no “Sítio do Picapau amarelo”, foi o Chefe Chico na refilmagem de “Chiquititas”, foi o Pai Didico na novela “Segundo sol” e o Benedito de “Tenda dos milagres”. Mas foi muito mais do que isso.

Pioneiro, foi o único negro em sua turma na Escola de Arte Dramática da USP em 1960. Fez parte do inovador Teatro Experimental do Negro de Abdias Nascimento. Dirigido por Plínio Marcos em “Jesus Homem”, foi o primeiro Cristo negro do teatro brasileiro. Nunca deixou de levantar sua voz contra o racismo, exigindo para os atores negros bem mais do que papéis de subalternos e escravizados.

Pra nós, que estávamos começando a fazer cinema nos anos 1980, foi o ator que trouxemos do centro do país pra estrelar “O dia em que Dorival encarou a guarda” (direção de Jorge Furtado e José Pedro Goulart), um de nossos primeiros curtas, ao lado de Sirmar Antunes, Pedro Santos, Zé Adão Barbosa e Lui Strassburger. Quando fomos finalizar o filme, de orçamento curtíssimo, ficamos hospedados em seu apartamento em São Paulo.

Esta semana, dia 11 de abril, faz 35 anos que “Dorival” estreou no Festival de Gramado, onde Acaiabe recebeu o prêmio de melhor ator.

Desde o início da pandemia, o curta está disponível na internet, junto com outras 20 produções da Casa de Cinema de Porto Alegre. Vale a pena ver ou rever, para conferir o talento de João Acaiabe:

Entre as homenagens ao colega, o ator Sirmar Antunes (que no curta faz o Sargento) lembrou que Acaiabe não pôde estar presente na premiação de Gramado. E que foi ele, Sirmar, quem um tempo depois levou o troféu Kikito a São Paulo para seu dono. Eu não lembrava desse episódio. Mas quem viu o filme pode perceber aí a justiça poética anunciada na cena final: Dorival recebendo seu prêmio das mãos do Sargento.


Giba Assis Brasil é montador e roteirista em diversos filmes. Professor do curso de Realização Audiovisual da Unisinos desde 2003, também deu aulas na UFRGS entre 1994 e 2005. 

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