Juremir Machado da Silva

Crônica de uma brochice anunciada

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Crônica de uma brochice anunciada Foto: Reprodução SBT News/YouTube

Era uma vez um debate no SBT, num final de tarde de sábado. O líder das pesquisas para a presidência da República não foi. Os demais pareciam mortificados. Faltava alguém ali e eles não sabiam o que fazer. Para sorte deles, um candidato folclórico pedia votos para outro, que, em tese, era também seu oponente. Era uma vez a realidade. Melhor partir logo para a ficção. A sensação era de anticlímax.

Once upon a time um presidente que se dizia imbrochável. Para o francês, imbrochável, segundo o sociólogo Dominique Wolton, deve ser traduzido por “celui qui ne débande jamais”. As línguas, nessa época se misturavam, embora o tempo dos poliglotas estivesse chegando ao fim. Aplicativos já traduziam tudo automaticamente eliminando a necessidade de passar anos aprendendo línguas. Até os sotaques eram corrigidos por algoritmos enquanto as pessoas falavam. E assim o suposto imbrochável passou quatro anos no poder cometendo crimes, dizendo bobagens, apavorando populações, debochando de doentes de covid-19, insultando a inteligência alheia, provocando celeuma, confundindo dispositivos tecnológicos com sua linguagem exótica.

Com a aproximação da eleição que o tiraria do poder, porém, começou a mudar. Olhos atentos percebiam a mutação em curso. Via-se nele uma nova atitude, um olhar mais baixo, a crista caindo, a voz falhando, um choro vindo do fundo de sua alma rasa, a couraça sendo partida, soltando pedaços, rachando. Ele estava brochando. Quanto mais gritava, provocava, encenava, mentia, desafiava, gabava-se disso e daquilo, dos seus poderes, da sua lábia, dos seus feitos, mais brochava. Ele vivia numa realidade paralela. A inflação estava alta, ele declarava que estava baixa. O país tinha multidões passando fome, ele afirmava solenemente que não havia fome de fato no seu reino. O coronavírus matara quase 700 mil pessoas, parte delas certamente pela demora em tomar as providências adequadas, ele jurava que havia feito tudo em tempo recorde, antes de outros, dando exemplo ao mundo.

Nesse dias de obscurantismo e tristeza, o mundo atônito quis saber o que era imbrochável e o que era “tchutchuca do centrão”, expressão com a qual o havia brindando um ex-admirador. Jornais traduziram a curiosa provocação por “perrita del centrão”, “petite chienne du centrão”, “brinquedinho do centrão”, “queridinha do centrão” e outras fórmulas do gênero. Ele queria se manter impávido, imbrochável, diante de tamanha zoeira, mas não conseguia. Era demais para o seu orgulho de macho, autoelogiado como aquele que não desanda.

Once upon a time um presidente qui ne débandait jamais. Até que brochou eleitoralmente em público e foi obrigado a debandar. O seu tempo havia acabado. Era hora de voltar ao baixo clero de onde nunca devia ter saído. Ainda tentaria colocar a culpa nas urnas eletrônicas, pois para ele toda derrota era culpa de alguém. A sua brochice só poderia ser culpa da urna, dos eleitores, da mídia, da esquerda. Pela primeira vez, tinha certa razão: mídia, eleitores e gente do centro para a esquerda haviam percebido que o melhor para todos era fazê-lo brochar de uma vez por todas. Não que nunca tivesse brochado, mas o fundamental era que passasse recibo. Nessa história de uma brochice anunciada, só a urna era neutra e o Gilberto Kassab. Hahahahaha…

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