Juremir Machado da Silva

De Getúlio a Bolsonaro

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De Getúlio a Bolsonaro

Bolsonaro no Jornal Nacional

Resumo da tragédia: no Jornal Nacional da Rede Globo, Jair Bolsonaro mentiu do começo ao fim, falou para a sua bolha e mostrou-se como sempre: fanfarrão, desafiador, provocante, topetudo, cínico e autocentrado.

Acusou William Bonner de espalhar fake news.

Tentou constranger Renata Vasconcellos em questões como a de ter imitado doentes com problemas respiratórios no auge da Covid.

Renata foi bem melhor do que Bonner, apesar de constantemente interrompida, na apresentação das perguntas e na reação às respostas do entrevistado, que estava ali com a intenção de lacrar e fazer palanque.

O capitão impôs uma condição para aceitar o resultado eleitoral: que as “eleições sejam limpas e transparente”. Segundo, claro, o seu julgamento.

Uma grande injustiça foi cometida pelos entrevistadores. Bolsonaro afirmou ter escolhido ministros técnicos. Passou a citar nomes. Bonner e Renata não o ajudaram a lembrar do general Pazuello na Saúde.

Um especialista. Sem dúvida.

Por que o desempenho fraco dos entrevistadores?

Por falta de hábito de entrevistar.

Eles só fazem entrevistas em período eleitoral.

Entrevistar exige treino, traquejo, experiência.

Não se pode ser entrevistador bissexto.

Ainda mais diante de um mentiroso de todo dia.

O homem que foi uma era

Estamos chegando a mais um 24 de agosto. Num ano de eleição, não há como não pensar no fim da vida daquele que pode ser considerado o maior político da história do Brasil: Getúlio Vargas. Simplesmente Getúlio. O homem que foi uma era.

Por que Getúlio Vargas se matou? Essa pergunta é uma obsessão para quem se interessa pela história desse gaúcho de destino extraordinário. Na manhã de 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, Getúlio somente executou um gesto cuja sombra o perseguia desde sempre. A vida para ele era uma aventura política, mas a honra funcionava como um norte. Influenciado pelo positivismo dos republicanos do Rio Grande do Sul, de Júlio de Castilhos a Borges de Medeiros, Vargas olhava o mundo com lentes muito claras, mesclando uma tendência ao autoritarismo com uma concepção extremada de dignidade pessoal. Não aceitaria de forma alguma ser humilhado. Não se deixaria enxovalhar. Preferia o “grande gesto”. Pensava nele, ao menos, desde 3 de outubro de 1930.

Na juventude, Getúlio fora um leitor ávido de “O Ateneu”, de Raul Pompéia. O suicídio já era, portanto, uma marca no seu imaginário. Mas, no mês de agosto de 1954, enquanto o “mar de lama”, segundo a sua própria expressão, parecia inundar o Catete, a ideia de morrer o alagou a cada dia. Pensou nela quando soube que o filho Maneco, seu procurador, vendera a Fazenda São Manoel para Gregório Fortunato, seu chefe da Guarda Pessoal, peão pobre de São Borja, um serviçal que ascendeu pela sua fidelidade canina a ele, Getúlio. Durante 15 dias, depois do atentado da rua Tonelero, que feriu Carlos Lacerda e matou o major-aviador Rubens Vaz, Getúlio falou em morrer quase todos os dias.

Agosto, mês de desenterrar o passado. Ajudante-de-ordem de Getúlio Vargas em 1954, o gaúcho Hernani Fittipaldi protagonizou um importante episódio naqueles dias conturbados que antecederam o suicídio do presidente. Foi ele quem achou, por acaso, um bilhete no qual Vargas parecia anunciar a sua decisão de matar-se. Assustado, entregou prontamente o papel à filha de Getúlio, Alzirinha, que, muito preocupada, o mostrou ao pai. Getúlio desconversou: “Não é nada do que estás pensando, rapariguinha. Não vou me matar”. Assunto encerrado. Não se discutia com Getúlio quando falava assim.

No dia do suicídio, Fittipaldi passou o conteúdo do bilhete a Victor Costa, diretor da Rádio Nacional, que o transmitiu para todo o país. A emoção causada continua indescritível. Historiadores e romancistas imaginavam que Fittipaldi havia decorado o texto e, imediatamente depois do mais famoso tiro no coração da história do Brasil, o reescrito para inflamar os jornalistas. Fittipaldi viveu em Brasília. Escreveu as suas memórias à mão. Nunca se recuperou o que a ditadura de 1964 o fez perder. Nem esqueceu Getúlio.

Antes de entregar o bilhete à Alzira Vargas do Amaral Peixoto fez dele uma cópia manuscrita. Teve a convicção de que tinha em mãos uma bomba de disseminação histórica. Esse papel, com a letra dele, é que foi lido na Rádio Nacional e entrou para a História: “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter feito pelos humildes tudo o que desejava…” Getúlio puxou o gatilho do seu revólver calibre 32 às 8h35min da manhã. Com uma bala saiu da História, onde já se encontrava, para entrar no mito, aquém e além de uma única interpretação, múltiplo como sempre foi, membro da oligarquia, revolucionário, ditador, democrata.

Hernani Fittipaldi foi um arquivo vivo para lembrar Getúlio. Tinha versões para todos os episódios decisivos de agosto de 1954. Contava que conversou com Gregório Fortunato, dias depois do atentado da rua Tonelero, e não duvidava do que ouvira. Gregório até teria um plano para eliminar Lacerda, mas não era o que foi executado: queria surpreender o Corvo na cama com a amante, matar os dois e transformar tudo num crime passional. No melhor estilo dos crimes da fronteira gaúcha. Todas as vozes são boas para recordar o homem complexo e misterioso que dividiu o Brasil em antes e depois de 1930. O Brasil ainda sente o tiro de agosto de 1954 como se fosse no seu próprio coração. Mito naquele tempo era quem praticava grande gestos, trágicos ou não, capazes de marcar pela coragem, pela força e pelas consequências na vida das pessoas.

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