Juremir Machado da Silva

Lula e Maduro

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Lula e Maduro O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi recebido no Palácio do Itamaraty pelo presidente Lula | Foto: Antônio Cruz/EBC

O presidente Lula resolveu receber Nicolas Maduro com pompa, circunstância e carinho. Para Lula o amigo venezuelano deve aproveitar a ocasião e construir a sua narrativa, virando o jogo. Em outras palavras, Lula não vê Maduro como um autocrata, mas como uma vítima dos Estados Unidos. O antiamericanismo, não destituído de razões, ainda governa o pensamento da esquerda em assuntos capitais como a invasão da Rússia à Ucrânia e a situação da Venezuela, vista por boa parte do mundo democrático como ditadura. Já ouço a fúria da esquerda contra mim.

Lula tem razão em receber Maduro. Podia dispensar os tapinhas nas costas, os mimos e as adulações. Cabia cobrar os atropelos à democracia no país vizinho. Mas Lula não pode fazer isso por uma simples razão: ele pensa de outra maneira. Nesse sentido, Lula é um bom petista que reza pela cartilha do antiamericanismo tradicional. Os Estados Unidos encontram-se sem parar com dirigentes de duas ditaduras expressivas, da China e da Arábia Saudita. Os europeus fazem igual. É do jogo. Não há, portanto, como excluir Maduro de encontros de cúpula sul-americanos.

O ponto é outro: trata-se apenas de questão de narrativa? Maduro é um injustiçado? A democracia viceja na Venezuela? Se alguém tem problemas é por não aceitar a aceleração democrática bolivariana? O presidente chileno Gabriel Boric, também de esquerda, não tem a mesma visão generosa de Lula sobre o regime venezuelano? Caiu na narrativa americana? Enxerga pouco? É um traidor da causa proletária? Criticar Maduro faz do crítico um aliado da extrema direita? Há algo de estranho no amor de Lula por Maduro. O esquerdismo devoto não admite críticas aos seus ídolos. O dever do jornalista, porém, é seguir exclusivamente a sua consciência. Ser independente significa poder desagradar a todos em diferentes momentos.

Maduro, como Erdogan, recém-reeleito na Turquia, pratica outra forma de democracia, caso seja possível falar assim, quem sabe o que alguns rotulam de democracia iliberal. Os Estados Unidos pesam a mão contra a Venezuela como não fazem com a Arábia Saudita. Passam pano para as colônias israelenses em território palestino. Uma soma de erros não faz um acerto. A Venezuela continua sendo uma falsa democracia ou uma ditadura com algumas dissimulações. Há ditaduras que gostam de eleições. Só não permitem que os verdadeiros adversários do regime possam ganhar.

Ou será que Marta Valiñas, coordenadora de uma missão da ONU, mente ou age como agente dos Estados Unidos da América? Vejamos: “Nossas investigações e análises mostram que o Estado venezuelano conta com os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir a dissidência no país. Ao fazer isso, graves crimes e violações dos direitos humanos estão sendo cometidos, incluindo atos de tortura e violência sexual. Essas práticas devem parar imediatamente, e os responsáveis devem ser investigados e processados de acordo com a lei”.  Outra declaração dela: “As forças policiais, juntamente com o exército, em operações conjuntas, deslocam-se a bairros da zona de Caracas, mas não só, e sob o pretexto de combater a delinquência, – efetivamente a Venezuela é um dos países com índices de criminalidade elevados – estas forças acabam por ter uma atuação que não estão de acordo com as normas internacionais, ou seja, simplesmente executam as pessoas que são suspeitas de terem praticado determinado crime”. Isso se chama de atentado a direitos humanos.

O governo de Lula reconduziu até agora o Brasil ao cenário internacional, voltando a conviver com os grandes com honra e dignidade. Estamos a léguas do bolsonarismo atroz. Por que Lula, contudo, aceita ou aplaude no vizinho o que criticaria em casa? Ou não criticaria? Será que Lula tem informações sobre a Venezuela de que ninguém mais dispõe? Já imagino a decepção de alguns que me haviam adotado por eu ter perdido emprego criticando o bolsonarismo. Alguns dirão: mostrou a cara. Bem-feito que foi posto na rua. Não passa de mais um direitista da mídia.

A minha singela maneira de ver o mundo é assim: quero um aprofundamento da democracia, não uma diminuição. Maduro não representa esse passo à frente em termos de democracia. A política internacional de Lula erra na Ucrânia e erra na Venezuela. As racionalizações costumeiras encontrarão mil supostas justificativas para o injustificável. É assim. Enfim, tenho uma hipótese fora dos trilhos, também chamada academicamente de ad hoc: Lula faz isso só para mostrar aos Estados Unidos que é livre e que faz bem demonstrar independência em relação aos donos do mundo, mesmo quando estes podem estar, de algum modo, certos. Pura provocação. O custo da operação, no entanto, é alto: Lula dá munição aos seus inimigos.

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