Juremir Machado da Silva

Machado de Assis era fã de Tiradentes

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Machado de Assis era fã de Tiradentes "Prisão de Tiradentes", de Antônio Parreiras | Foto: Ricardo Romanoff/Matinal Jornalismo

O escritor referiu-se a Tiradentes em suas colunas de jornal e em seu último romance, Memorial de Aires, de 1908. O Machado de Assis tinha seus rompantes nacionalistas, especialmente quando tratava de política internacional, mas também em matéria de heróis e de figuras relevantes para a brasilidade. Vale conferir os seus trechos sobre o alferes executado para salvar a pele dos cabeças da Inconfidência Mineira. Para Machado, que sabia ser contundente quando queria muito, a Coroa praticou “latrocínio” em relação a Tiradentes.

*

25 de abril de 1865

“É uma grande data 7 de setembro; a nação entusiasma-se com razão quando chega esse aniversário da nossa independência. Mas a justiça e a gratidão pedem que, ao lado do dia 7 de setembro, se venere o dia 21 de abril. E quem se lembra do dia 21 de abril? Qual é a cerimônia, a manifestação pública?

Entretanto, foi nesse dia que, por sentença acordada entre os da alçada, o carrasco enforcou no Rocio, junto à rua dos Ciganos, o patriota Joaquim José da Silva Xavier, alcunhado o Tiradentes.

A sentença que o condenou dizia que, uma vez enforcado, lhe fosse cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde seria pregada em um poste alto, até que o tempo a consumisse; e que o corpo, dividido em quatro pedaços, fosse pregado em postes altos, pelo caminho de Minas.

Xavier foi declarado infame, e infames os seus netos; os seus bens (pelo sistema de latrocínio legal do antigo regímen) passaram ao fisco e à câmara real.

A casa em que morava foi arrasada e salgada.

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Ora, o crime de Tiradentes foi simplesmente o crime de Pedro I e José Bonifácio. Ele apenas queria apressar o relógio do tempo; queria que o século XVIII, data de tantas liberdades, não caísse nos abismos do nada, sem deixar de pé a liberdade brasileira.”

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Décadas depois, Machado de Assis voltaria ao tema.

24 de abril de 1892

“Para não ir mais longe, Tiradentes. Aqui está um exemplo. Tivemos esta semana o centenário do grande mártir. A prisão do heroico alferes é das que devem ser comemoradas por todos os filhos deste país, se há nele patriotismo, ou se esse patriotismo é outra cousa mais que um simples motivo de palavras grossas e rotundas. A capital portou-se bem. Dos Estados estão vindo boas notícias. O instinto popular, de acordo com o exame da razão, fez da figura do alferes Xavier o principal dos Inconfidentes, e colocou os seus parceiros a meia ração da glória. Merecem, decerto, a nossa estimação aqueles outros; eram patriotas.

*

Entretanto, o alferes Joaquim José tem ainda contra si uma cousa, a alcunha. Há pessoas que o amam, que o admiram, patrióticas e humanas, mas que não podem tolerar esse nome de Tiradentes. Certamente que o tempo trará a familiaridade do nome e a harmonia das sílabas; imaginemos, porém, que o alferes tem podido galgar pela imaginação um século e despachar-se cirurgião-dentista. Era o mesmo herói, e o ofício era o mesmo; mas traria outra dignidade. Podia ser até que, com o tempo, viesse a perder a segunda parte, dentista, e quedar-se apenas cirurgião”

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22 de maio de 1892

“Este Tiradentes, se não toma cuidado em si, acaba inimigo público. Pessoa, cujo nome ignoro, escreveu esta semana algumas linhas com o fim de retificar a opinião que vingou durante um longo século acerca do grande mártir da Inconfidência. “Parece (diz o artigo no fim) parece injustiça dar-se tanta importância a Tiradentes, porque morreu logo, e não prestar a menor consideração aos que morreram de moléstias e misérias na costa d’África”. E logo em seguida chega a esta conclusão: “Não será possível imaginar que, se não fosse a indiscrição de Tiradentes, que causou o seu suplício, e o dos outros, que o empregaram, teria realidade o projeto?”

Daqui a espião de polícia é um passo. Com outro passo chega-se à prova de que nem ele mesmo morreu; o vice-rei mandou enforcar um furriel muito parecido com o alferes, e Tiradentes viveu, até 1818, de uma pensão que lhe dava D. João VI. Morreu de um antraz na antiga Rua dos Latoeiros, entre as do Ouvidor e do Rosário, em uma loja de barbeiro, dentista e sangrador, que ali abriu em 1810, a conselho do próprio D. João, ainda príncipe regente, o qual lhe disse (formais palavras):

– Xavier, já que não podes ser alferes, toma por ofício o que fazias antes por curiosidade; vou mandar dar-te umas casas na rua dos Latoeiros”.

***

      Por fim, no diário do Conselheiro Aires, lê-se:

 “19 de abril

Lá se foi o barão com a alforria dos escravos na mala. Talvez tenha ouvido alguma coisa da resolução do governo; dizem que, abertas as câmaras, aparecerá um projeto de lei. Venha, que é tempo. Ainda me lembra do que lia lá fora, a nosso respeito, por ocasião da famosa proclamação de Lincoln: “Eu, Abraão Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América…” Mais de um jornal fez alusão nominal ao Brasil, dizendo que restava agora que um povo cristão e último imitasse aquele e acabasse também com os seus escravos. Espero que hoje nos louvem. Ainda que tardiamente, é a liberdade, como queriam a sua os conjurados de Tiradentes.”

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