Juremir Machado da Silva

Não devemos torcer por Neymar?

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Não devemos torcer por Neymar? Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Nos tempos de Nelson Rodrigues, jogador bom, especialmente zagueiro, não precisava ser bom para genro do torcedor, do comentarista ou do treinador. A questão parecia resolvida. Uma coisa era o jogador em campo; outra, o homem na vida com suas ideias e (de)feitos. Tem muita gente que rejeita Pelé por não ter assumido uma filha. É uma falha ética grave. Tira dele a condição de melhor do mundo de todos os tempos no futebol? Certamente não. Pode, contudo, tirar o desejo de alguém de considerá-lo seu ídolo. Quem aceitaria ter o goleiro Bruno, aquele que foi condenado por ter mandado matar a mãe do seu filho, no seu time? Eu não aceitaria. Não posso, contudo, dizer que tecnicamente ele foi um mau goleiro. E Neymar, o bolsonarista, deve ser repudiado? Ou se deve separar sua posição política do seu desempenho como jogador? Houve quem comemorasse a lesão que ele sofreu.

Borges, o maior escritor argentino de todos os tempos e um dos maiores da história mundial da literatura, era ultraconservador e simpatizou com o ditador chileno Pinochet. A obra dele não espelha esse conservadorismo. Transcende-o. Não conseguiria deixar de admirar seus livros por causa dos seus posicionamentos políticos. Céline, um dos maiores gênios da literatura francesa do século XX, escreveu panfletos racistas e colaborou com o nazismo. A França execra o seu comportamento e exalta a sua literatura, descartados os tais panfletos, como obras-primas indiscutíveis. Gilberto Freyre foi um intelectual conservador. “Casa Grande & Senzala” é um livro revolucionário. Eis a vida. Complexa, curva, bizarra. Durante muito tempo, no auge de certas ideias, o autor morria quando a obra nascia. Julgar um livro pela biografia do autor era visto como primarismo. A roda girou. Biografia e obra voltaram a confundir-se. O passado dos autores vive. E condena. Há, porém, autores moralmente irretocáveis e artisticamente medíocres. Neymar é mimado, reacionário, irritante, fútil e bastante mala.

Mesmo assim, é bom jogador ou não? É craque ou não? Devemos torcer por ele ou não? Os seus defeitos são suficientemente grandes para que tenhamos de rejeitá-lo ou são tão imensamente grandes a ponto de se poder dizer que ele não joga nada, numa solução que joga o jogador fora com a água da banheira? O problema talvez esteja no fato de que não basta achar alguém bom. É preciso ter como ídolo, modelo, referência, inspiração, essas imbecilidades todas que a mídia adora espalhar e explorar. Por que a mídia gosta tanto de misturar olhos com bugalhos e alhos com chocalhos? Neymar é um chato. Baita mala. Joga muito. Apanha demais. Richarlison é o cara. Fez um golaço na estreia do Brasil na Copa do Catar e é do bem. Será que Richarlison prefere ter Neymar como parceiro em campo ou atuar sem ele?

Raphinha diz que erro de Neymar foi nascer no Brasil. Está errado. Erro de Neymar é ser reacionário, defender Bolsonaro, viver de ostentação, viver de olho no próprio umbigo. Deveria negar a qualidade do seu futebol?

A vida, neste caso, parece o futebol: não tem planejamento que dê conta de tudo. Quem decide mesmo é o imprevisto. Não tem medida única. Não gosto de Neymar como pessoa. Torço por ele como jogador. Poderia fazer mais? Sem dúvida. Está certamente entre os maiores jogadores da história do futebol brasileiro. Ainda não ganhou Copa do Mundo? Nem Zico. Nem Falcão…

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