Nossas jabuticabas
Aprendi que jabuticaba só tem no Brasil.
Acredito.
Será que não tem um pé em Rivera ou em Artigas?
André Mendonça, ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e Advogado-Geral da União do capitão, empregado no STF por amor do chefe, que queria um ministro terrivelmente evangélico na Corte, não se deu por impedido para tocar caso em que o presidente é alvo.
De fato, a ideia de imparcialidade não existe mais.
É só uma lenda, um mito, uma narrativa. Isso, uma narrativa.
Jabuticaba.
Um tanto amarga.
E o secretário da Cultura, Mário Frias, que foi a Nova York no maior conforto falar com um lutador de jiu-jitsu sobre projetos culturais urgentes! Perdeu a vaga para a viagem à Rússia.
O cara ainda não conhece o Zoom.
Jabuticabaaaa!
Não tinha acabado a mamata?
Chega de pergunta retórica.
Mais uma só: mamata também é jabuticaba?
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Eis uma música que não sai de moda. Bora ouvir o velho Zé Ramalho:
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As camadas da alma
Quantas são as camadas da alma? Pressupondo-se que a alma exista e que tenha camadas, quantas são elas? É um bom tema intemporal. Diz-se que a primeira pessoa a falar em camadas da alma teria sido Cong Li Hui, há 2800 anos, tendo sido a primeira mulher filósofa, antecipando-se em alguns temas a Lao Tsé. Não posso garantir a veracidade dessa informação. Tenho dúvidas sobre a existência real dessa pensadora mítica e mística, que poderia ser apenas um sonho do Borges argentino ou do cego Borges, velho de Palomas, que costumava sonhar acordado com os sonhos do outros Borges, o escritor de alma portenha. Não entrarei em discussões etimológicas nem históricas. Alma vem do latim “anima”. Os gregos falavam em “psy-khé”. Em hebraico, tem “nefesh”.
São nove as camadas da alma? Cong Li Hui parece que via a alma como uma cebola. Como todos sabem, a cebola é originária da Ásia central, tendo chegado ao Ocidente através da Pérsia e da África. Disseminou-se no Brasil, assim como o pensamento de Cong Li Hui, pelo Rio Grande do Sul. Não brinquem com a cebola. Na Índia, ela pode ser sagrada. Existem seitas de adoradores da cebola. Ramakrisha compara a cebola com a estrutura do ego, podendo ser decomposta, camada por camada, até o vazio e à fusão com Brama. Atualmente há muita fusão de acepipes acebolados com Brahma (Kaiser e outras também). Embora resulte muito vazio (de copos e garrafas), a concepção não parece ser a mesma. Não consegui apurar a relação de Freud com a cebola. Deve ter sido de rejeição, transferência ou gula.
Certo é que alma é uma cebola.
Não estou falando da alma no sentido cristão desse termo. Cong Li Hui entendia que a vida se divide em várias etapas ou camadas. Cada camada retirada produziria lágrimas, inclusive lágrimas de prazer. Deve derivar daí a nossa inclinação para frases do tipo “viver é como cortar cebola, a gente chora, mas goza também”. É possível que Cong Li Hui, se realmente existiu, tenha sido uma cozinheira de mão cheia (de cebolas) ou uma simples dona de casa tentando entender o seu universo. O passado oriental é sempre terrivelmente misterioso. Há pensadores pagãos que consideram a cebola um poderoso afrodisíaco. Outros, como Cong Li Hui, acreditam, à maneira de Claude Lévi-Strauss, que não inventou o jeans nem foi vendedor de calças, que o fundamental na cebola é a sua capacidade de fazer pensar.
O que faz pensar é bom? Tudo faz pensar. Tudo é bom?
Tudo é bom. Para pensar. A alma faz pensar. Onde está? Como se abriga no corpo? Para onde vai? Remexer na alma pode irritar os olhos. O gosto pela cebola costuma aguçar-se com a velhice, como se o paladar exigisse, com o passar do tempo, manifestações cada vez mais sensíveis da alma dos alimentos. Cong Li Hui teria dito: “A alma é como uma cebola, perde a acidez depois de algum tempo cortada”. Não sei. Os meus conhecimentos sobre a cebola são limitados. O que me preocupa é a alma. Só posso repetir com o poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Inclusive cortar cebola.
Há muito tempo escrevi esse texto.
Depois disso, minha alma ganhou mais algumas camadas.
Aceboladas.