Proust se despede, microconto e poesia
Au revoir, mon cher Marcel Proust. Termina neste sábado, na Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, a exposição Caminhos de Proust, que teve curadoria de Gilberto Schwartsmann e apresentou documentos originais pertencentes a Pedro Corrêa do Lago, sem contar preciosidade da coleção do próprio curador. Ontem, sexta, aconteceu a cerimônia de encerramento, com o lançamento do belo catálogo da mostra, uma visita guiada e falas de despedida no belo Salão Mourisco, da BPE.
O atual presidente da Associação dos Amigos da BPE, Alcides Stumpf, destacou o enorme sucesso do evento. Schwartsmann, com a paixão que lhe é característica, enfatizou o sublime em Proust.
O poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Nejar, que posou com a artista plástica Zoraia Bettiol junto aos madeleines de Proust, fez um bonito discurso em defesa da arte.
Até este modesto cronista foi convidado a falar sobre sua visão de Proust, o escritor que, no século XX, não teve igual em se tratando de explorar o desejo, o ciúme e a memória, ou, como dizia Jean Baudrillard, a impossibilidade do esquecimento. A secretária da Cultura, Beatriz Araújo, fechou o ato com um agradecimento aos mentores da exposição. Sucesso total. Porto Alegre, por alguns meses, teve o seu delicioso proustiano de Paris.
Mutações
De meus tantos o mais constante eu,
O que sempre mais me surpreendeu
Foi aquele de casaco vermelho
E sapatos azuis de imperador.
De manhã eu marchava para o céu.
No fim de semana semeava fogaréus.
Havia em algum lugar uma luminária
Que sombreava contornos de fantasmas.
Esse que eu fui e ainda sou ao luar,
Esse que me fazia declarar guerras.
Esse, que era eu, montava cavalo de pau.
Esse que me fez reinar pelas terras,
Falava com pássaros em grego e reinol,
Não sabia que jamais seria general.
Naqueles curtos dias mais gelados
Era o sol que se oferecia tão só,
Solidão transpassando as nuvens,
Almas, águas calmas, latifúndios,
Até ferir como senhor de escravos.
Um sonho
Sonhei com Jean-Jacques. Estávamos na mesma casa. De repente, ele anunciava que precisava ir embora. De pronto, eu disse: “Vou contigo”. Ele não respondeu. Pegou o casaco, jogou-o sobre o ombro esquerdo e avançou para a porta. Vestia camisa branca e ainda estava de gravata. Saí atrás dele gritando: “Vou contigo”. Não adiantava. Ele caminhava rápido, meus passos não o alcançavam. Por fim, começou a correr e sumiu do outro de uma praça. Eu, que nunca me lembro dos meus sonhos, acordei com aquele bem vivo na mente. Levantei e fui direto para o celular. Havia muitas mensagens. Uma delas me paralisou:
“Jean-Jacques se matou hoje pela manhã”.