Juremir Machado da Silva

Queda de uma seleção mal amada

Change Size Text
Queda de uma seleção mal amada Foto: Fifa

E assim, com um contra-ataque bem executado, nós chegamos ao fim. A seleção brasileira caiu quando parecia se elevar à semifinal da Copa do Mundo do Catar. Atacava com a maioria dos seus jogadores quando, faltando cinco minutos para o término da prorrogação, precisava apenas se defender. Há muito que a seleção não provocava tanta controvérsia. Havia, por um lado, uma vontade de torcer, de retomar a amarelinha capturada pelos fascistas, de participar desse sentimento coletivo de amor ao país. Por outro lado, havia resistência a um grupo de milionários comedores de carne folheada a ouro e tendo como principal estrela o atacante Neymar, que sonhava em dedicar seus gols ao estrupício Jair Bolsonaro.

Por fim, havia o treinador Tite, com um bom rendimento nas eliminatórias da Copa e com sua maneira enrolada e pomposa de falar, o “titês”. Para ele, atacante goleador viraria jogador terminal e tentar recuperar rapidamente a bola ao adversário seria “rec5”. Com frequência, Tite falava como um vendedor pós-moderno de carro usado, enrolando para se mostrar mais eficaz e conhecedor dos segredos do sucesso. Há quem nunca o tenha perdoado por contratar o próprio filho para auxiliar. Há quem nunca o tenha engolido por não apresentar repertório variado e por fazer o time jogar de modo sonolento. Há quem ainda busque uma explicação para a sua convocação do veterano Daniel Alves, chamado para ser reserva de luxo.

Tite honrou Daniel Alves ao levá-lo com 39 anos de idade e fora de forma, sem jogar desde setembro deste ano. E o humilhou ao mantê-lo no banco quando foi preciso, improvisando um zagueiro de lateral. Foi uma confissão de que não o havia chamado para jogar, mas para exercer alguma influência sobre os colegas, para ser o seu espião no vestiário. O Brasil parecia, às vezes, capaz de mobilizar energias adormecidas. Depois das duas primeiras rodadas do torneio, crescia o entusiasmo. Aí Tite fez média com os reservas e perdeu para Camarões. Minou a confiança. A boa vitória sobre a Coreia do Sul reacendeu a chama da paixão. Veio o jogo contra a Croácia. O time voltou a ser titanescamente sonolento e triste.

No segundo tempo, Tite enterrou todas as suas mais recentes convicções, sacou Vini Júnior e Raphinha. Por seus erros de convocação, faltavam-lhe boas peças de reposição nas laterais. E assim um Brasil esgotado conseguiu um gol maravilhoso, graças ao talento do insuportável Neymar, e precisava apenas de boa orientação para sair classificado. Foi o que faltou. Tite estava ausente, estranho, distante. Ainda assim, colocou Fred para fechar mais o meio-campo. Pois não é que tomou o empate quando Fred se aventurava como centroavante! Eu nunca confiei plenamente num técnico que amarrava o cinto acima do umbigo. A culpa é toda de Tite?

Não. A culpa é de todos nós que nunca deixamos de sonhar. A Copa do Catar teve algo de muito bom para o Brasil: Richarlison. Ele lutou, fez gol de placa e se mostrou conectado com o mundo real. Talvez um dos poucos não bolsonaristas do grupo. Tite, a bem da verdade, também não é eleitor do capitão de malícias e muito mais. Em todo caso, preferiu jogar na defesa, fechadinho para não desagradar os poderosos. Sim, política e futebol se misturaram como nunca. Anda muito difícil separar as coisas.

Numa mesma sexta-feira, o Brasil sucumbiu por falta de força e a Argentina triunfou por esbanjar determinação e foco. Ficará na memória do futebol essa sexta-feira das prorrogações e dos pênaltis, essa sexta-feira das paixões levadas ao limite, dos dois grandes do futebol sul-americano enfrentando europeus medianos e disciplinados, que, como quase sempre, brilharam mais pelo adestramento do que pela técnica. E o futuro?

O critério de formação de uma seleção é a nacionalidade, de nascimento ou de naturalização. Não é o dinheiro. O mais rico não pode comprar os melhores atletas do mundo, que já tenham jogado por um país, e formar uma seleção globalizada e imbatível. Isso só vale para treinadores. O Brasil, com a queda de Tite, talvez ceda ao charme do colonizador e contrate um treinador estrangeiro como manda a moda. Ficar contra isso poderá resultar em graves acusações de xenofobia. Futebol é deliciosamente complexo. O Brasil não caiu por causa do bolsonarismo de Neymar nem pelo titês para enganar bobo: caiu por um descuido. Quando todos deveriam defender, todos atacavam. O acaso define muitos jogos.

Pensando bem, tem um culpado: Galvão Bueno.

Na Copa dos 7 a 1, ele convenceu o retranqueiro Felipão a ir de Bernard, “o menino da alegria nas pernas”, contra os alemães “de cintura dura”. Desta vez, ele discursava para “matar logo”.

Agora que Galvão vai parar, se não for alarme falso, o Brasil poderá, quem sabe, finalmente chegar ao hexa. Como um resto de sol.

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.