Juremir Machado da Silva

Redenção, objeto de ganância

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Redenção, objeto de ganância Foto: Eduardo Beleske/PMPA

Se eu fosse economista, tentaria ganhar o Nobel estudando a cabeça de quem só pensa em lucro. Talvez seja fundamental uma disciplina nova para tamanha proeza: a neuroeconomia. Nada tenho contra lucrar. Acho legítimo e saudável. Mas não a qualquer preço. Uma vez, apertei tanto um neoliberal, defensor ferrenho do Estado mínimo, sobre o fato de que seus amigos aceitavam boquinhas estatais, como financiamentos a juros camaradas, que ele, irritado, confessou: “Ora, quem vai deixar de ganhar se o governo está oferecendo!” Foi a mais precisa lição de pragmatismo que já ouvi. O homem nunca mais falou comigo. Acho que teme alguma nova pergunta embaraçosa.

O bolsonarista Sebastião Melo não conseguirá entregar o Parque da Redenção à exploração privada sem resistência da população. Um estacionamento subterrâneo até poderia se justificar, como em muitos parques europeus, se fosse apenas para resolver problemas de circulação, que nem existem de fato, e sem provocar prejuízos ambientais. Ambientalistas alertam: o lençol freático poderá ser afetado. A concessionária deveria ter seu lucro com o próprio estacionamento e acabou-se. Mas o estacionamento embaixo da Redenção é mero pretexto para a privatização do uso da superfície do parque.

Parque deve ser mantido com os impostos pagos pela população. Não existe para dar lucro nem precisa ser autossustentável. A Redenção virou objeto de desejo de gente gananciosa que não se contenta em ver área tão nobre entregue a caminhantes, crianças, passarinhos, namorados e demais passantes sem outro objetivo que não o de descansar. Foi colocado no lugar do orquidário um bar sem noção e sem necessidade. No entorno, há comércio e serviços em profusão. O moderno neoliberal de carteirinha não aceita que um parque seja apenas parque, que uma floresta seja conservada, que um bosque deva permanecer intocado. No seu deslumbramento ganancioso e tolo quer que tudo dê lucro. Só vê sentido no que se traduz em dinheiro.

O poder é ardiloso e, pelo jeito, afrodisíaco. Sempre tive simpatia por Sebastião Melo. Cara de boa prosa. Quando ele ficou sem mandato, sempre o convidava para o Esfera Pública. Eleito deputado estadual, passou a criticar as mamatas do judiciário. Tinha arroubos de esquerdista. Acho que o tempo longe dos holofotes o marcou. Ao voltar ao poder, com ajuda do bolsonarismo, parece ter resolvido se precaver para não cair no ostracismo outra vez. Virou neoliberal. Se fosse só liberal, estaria de bom tamanho. Dizem que talvez migre para o PL de Bolsonaro ou para o União Brasil. Não será preciso. O MDB de Porto Alegre tomou a dianteira. Virou puxadinho do bolsonarismo.

Há quem ainda espere a volta de Dom Sebastião. Eu já penso que não tem retorno para o Melo. A estratégia dele parece clara: se a esquerda está com Lula, ele fica com Bolsonaro para marcar posição e receber as recompensas dessa fatia. Dobrou o cabo da Boa Esperança. O bolsonarismo deixa marcas. Penso, às vezes, que assumiu a personalidade do seu vice, Ricardo Gomes. A Redenção para mim é o ponto sem retorno. Sebastião já não voltará de Alcácer-Quibir.

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