Juremir Machado da Silva

Sobre manifestos e homens

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Sobre manifestos e homens Foto: Cristina Beck/CMPA

Assinei dois manifestos. Algo raro na minha vida. Um em favor de Eduardo Leite. Outro, por Lula. Fui em companhia de Gilberto Schwartsmann e de outros desse quilate. Meus manifestos costumam ser meus textos. Como jornalista prefiro me manter fora dos abaixo-assinados. Assino o que eu escrevo e basta. Quando trabalhava na grande mídia era, volta e meia, convidado para alguma “aula pública”. Na verdade, eram manifestações de categorias em cima de caminhões ou algo do gênero em frente, por exemplo, ao Palácio Piratini. Recusava. Ficava pensando como alguém imaginava que eu pudesse me empoleirar diante da janela do governador para discursar todo faceiro.

Comentei com um importante político de esquerda certa vez:

– Eles querem te fazer perder o emprego – brincou.

Esquerda e direita não conseguem admitir que alguém resista ao charme delas. Querem adesão, de preferência irrestrita. Quando um militante diz que não existe imparcialidade em jornalismo, quer criticar alguém por não ter defendido a sua posição ou deseja cooptar a pessoa. Porém, se uma posição incomoda muito, o militante cobra imparcialidade. A Rede Globo está acostumada a ser cobrada por não ser imparcial, justo por quem não crê em imparcialidade. Chouette, como diria um francês. Em tradução literal, coruja! A literalidade é própria dos tradutores artificiais, nome literal que dou aos dispositivos de tradução da inteligência artificial, que, como dizia Jean Baudrillard, queremos que nos salve da nossa estupidez natural.

Assinei os manifestos em defesa da democracia. Sem ela não é possível frustrar militantes dos dois lados, visto que um deles proíbe que o outro exista. Está na moda denunciar falsas simetrias, nome literal para comparações entre esquerda e direita, Lula e Bolsonaro e outros que tais, expressão aproximada para quem não deseja recorrer a “isso daí” por razões óbvias de bom senso e compromisso com a civilização. Lula e Bolsonaro não são, de fato, comparáveis. Bolsonaro sonha com um golpe e com a volta de um regime militar. Lula, mesmo se parecia amigo de infância de Fidel Castro ou de Hugo Chávez em algum encontro de cúpula, fazia o mesmo espalhafato com José Sarney, assim como parece ter jogado bolita com Geraldo Alckmin nalgum pátio.

João Amoêdo, ex-dono do Novo, e Paulo Marinho, o endinheirado que emprestou a mansão, em 2018, para Bolsonaro fazer de QG de campanha, aderiram a Lula. Até me atrevo a dizer que essas adesões são imparciais, isto é, insuspeitas, ainda que seja difícil falar desses caras sem suspeitar dos seus interesses. O capitão torrou a paciência de todo mundo, salvo do MDB de Porto Alegre e dos novos donos do velho Novo. Além, é claro, de parte do antigo PSDB, aquele partido que era de centro-esquerda, mas abrigava gente de extrema direita de boa.

A minha estreia nos manifestos (por favor, parem de me pedir para assinar isto e aquilo), só podia ser pós-moderna: Leite e Lula de uma tacada só. Eleito pelo PT, Eduardo terá de pensar duas vezes quando acordar com vontade de privatizar tudo, inclusive o Piratini.

Assino embaixo.

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