Juremir Machado da Silva

Bardo, um filme impiedoso

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Bardo, um filme impiedoso

Na safra de indicados ao Oscar 2023 há vários filmes estranhos. Parece que o pessoal anda cansado de realismo. “Bardo, falsa crônica de algumas verdades”, de Alejandro Iñárritu, não poderia ser diferente, pois esse diretor nunca faz qualquer coisa quadradinha. “Bardo” é um excelente filme, mesmo que, vez ou outra, dê algumas louqueadas sem pé nem cabeça. Só pelo gosto de sair dos trilhos. Tem de tudo: a redescoberta da identidade mexicana, uma relação de amor e ódio com os Estados Unidos e, principalmente, uma crítica ao telejornalismo.

Iñárritu bombardeia o jornalismo de espetáculo que tomou conta da televisão sob a forma de talk shows imbecis. Esses que para fazer rir atolam-se na vida íntimas das pessoas e revelam coisas importantíssimas sobre a iniciação sexual dos convidados, como não ter querido tirar a cueca na primeira relação sexual. Um dos piores no Brasil é aquele apresentado por Tatá Werneck. O humor ainda vai acabar com a televisão. É tanto cara chato se achando engraçado que dá vontade de chorar. “Bardo” vai fundo na descrição do narcisismo televisual: um festival de grandes egos em busca dos aplausos diários.

Daniel Giménez Cacho faz bem o papel do ex-jornalista transformado em documentarista de sucesso. Na verdade, nunca se sabe se faz bem ou faz mal. Se errar, faz de novo. Enfim, são duas horas bem gastas. Ao terminar a gente se diz: não estou louco sozinho. Tem mais gente vendo o que eu vejo. E olhem que não se trata do BBB23. Como é possível ter 23 edições de um troço tão absurdo! Chega de digressões. “Bardo” merece alguma estatueta por contar uma história que faz sentido e ajudar a pensar sobre o atoleiro da atualidade.

O cinema é mestre em vender a sociedade do espetáculo, que ajudou a criar, como crítica da miséria que o enriquece. O espectador vibra por se sentir parte dessa inteligência crítica. Não está errado. Melhor fazer parte da inteligência crítica do que da manada. Ainda assim, está correndo atrás da cenoura agitada por Hollywood. Não tem saída. O streaming é mais do mesmo com uma boa cobertura de chocolate. Fazer o que mesmo? Houve o tempo em que se esperava algo mais do cinema. Não faltou quem acreditasse no papel revolucionário dessa arte industrial. Agora, na idade da lucidez, sabemos que é só entretenimento. Já é bastante. Distrair não é tarefa fácil. Pesa.

A relação entre México e Estados Unidos é o principal em “Bardo”, o prato mais farto, embora nada generoso, como tem de ser. Dizer que não tem mocinho nessa história seria passar pano para os “ianques” (o uso do termo contém ironia, empregue com moderação). Sobra bandido. O filme, porém, mostra que, dependendo do preço, tem sempre quem aceite vender um pedaço da pátria ou vender-se por inteiro. Os Estados Unidos da América nunca brincam em serviço: se precisar, apoiam uma ditadura nojenta. Se for o caso, fazem o serviço sujo. Aos que sabem se dobrar e exibem algum talento, recompensa. Um filme que faz chutar o balde, vale o poço que nos oferece para afundar. Eis um filme que merece ser visto com algum respeito.

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