Juremir Machado da Silva

Merval Pereira, ABL, jornalismo e política

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Merval Pereira, ABL, jornalismo e política Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras (Foto: ABL)

Fui ao Hilton Hotel, antigo Sheraton, entrevistar dois “imortais” da Academia Brasileira de Letras, Merval Pereira e Carlos Nejar, em visita a Porto Alegre a convite da Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, onde Merval, junto com o governador Eduardo Leite, foi homenageado. Colunista do jornal O Globo e comentarista político da GloboNews, Merval é o atual presidente da ABL. Em nossa conversa, ele fala francamente sobre polêmicas envolvendo a escolha de “imortais”, como a que resultou na não entrada da escritora negra Conceição Evaristo. Merval falou também do terceiro governo de Lula, que caracteriza como “sem projeto”.

Merval Pereira: “para entrar na ABL precisa fazer campanha”

Matinal – A Academia Brasileira de Letras, na sua gestão, está passando por uma grande abertura, com a entrada de nomes importantes da cultura, como Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Foi um projeto ou algo espontâneo?

Merval Pereira – Espontânea nunca é. A gente pretendia fazer mais coisas depois da pandemia. Fizemos 125 anos em 2022. A Academia, se olhar a história, sempre teve movimentos importantes na cultura. Faltava talvez explicitar mais que a Academia não é uma torre de marfim, como se referiu Machado de Assis. Os nossos projetos por uma Academia aberta são ambiciosos. Entrei na Academia em 2011. O Marco Lucchesi entrou um pouco antes. Entraram o Zuenir Ventura, o Joaquim Falcão, o Edmar Bacha, enfim, pessoas de vários setores. Historicamente não é algo novo, não é uma renovação, pois em vários momentos a Academia teve personalidades importantes de fora, mas é uma abertura para a sociedade.

Matinal – Tem muita pressão para que uma mulher negra seja eleita?

Merval – Claro. Temos o caso da Conceição Evaristo que se transformou num grande tema. É coisa completamente equivocada. A Conceição Evaristo não entrou, só teve um voto, por não ter feito campanha. Ela não pediu voto. Ela exigiu voto em nome do identitarismo. Ela e o seu grupo diziam que era obrigação da Academia recebê-la.

Matinal – Isso pode ter gerado uma reação negativa entre os acadêmicos?

Merval – Muito. Não tem sentido você se apresentar para um posto e antes da eleição já estar eleito e qualquer outro resultado estar fraudado.

Matinal – Se ela apresentar a candidatura de novo tem chances?

Merval – Ah, não sei! Não tenho a menor a ideia. Depende da disposição dela, de como vai se apresentar. Na verdade, é o seguinte: não teve um julgamento do mérito dela.

Matinal – Foi uma questão de procedimento?

Merval – De procedimento. Tudo errado. Tudo errado.

Matinal – O nome Academia Brasileira de Letras, embora a Academia seja baseada na Academia Francesa, faz muitas pessoas pensarem que seria só de escritores.

Merval – Primeiro que a Academia Brasileira de Letras começou sendo Academia Brasileira. No frontispício tem Academia Brasileira. Houve uma discussão entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco sobre isso: quem é que deveria entrar na Academia? Só escritores, literatos ou personalidades? Ganhou Joaquim Nabuco. Não se sabe quem incluiu “de letras” no nome. Aparentemente foi o grupo derrotado. Mas o espírito da Academia não é esse. Nunca foi esse.

Matinal – Preocupa a possibilidade da Inteligência Artificial, um GPT, acabar com a literatura?

Merval – Acho que vai ser um problema sério. Acabar com a literatura, acho difícil. Tem um lado de sentimentos e de valores que nunca vai ser alcançado pela tecnologia. Mas vai dar muita confusão e trabalho, pois com a inteligência artificial é fácil escrever um livro no estilo de um escritor. Espero estar aqui para ver. Se um dia a inteligência artificial superar escritores ou pintores na preferência das pessoas então o mundo estará noutro… O humanismo não é uma coisa boba. O ser humano não é uma máquina. Com suas falhas, ele reflete a vida.

Merval na BPE-RS (Foto: Juremir Machado da Silva)

Matinal – Um pouco de política. O senhor tem dito que Lula está sem projeto. Comentaristas rebatem que Lula faz coisas o tempo todo.

Merval – É um engano pensar que Lula tem projeto por fazer coisas todos os dias. Não tem. Ele faz coisas que ele mesmo fez 20 anos atrás. Esse é o problema. Está repetindo tudo o que já fez. O Bolsonaro acabou com tudo. Tudo bem, tem de refazer. Mas isso não faz um novo governo. Isso é um antigo governo. Esse negócio de carro popular é ridículo. Já era ridículo no tempo do Itamar, que era um mineiro visto como caipira. Agora vai o Lula fazer a mesma coisa. Não é questão de ideologia. É questão de ter um projeto para o Brasil. Neste momento, é a Amazônia. Um grande projeto de exploração da Amazônia, com participação acadêmica, convidar as grandes universidades para ir para lá. A Marina Silva tem projeto. Só que não é o principal caso do governo Lula, tanto que teve essa brigalhada por causa da exploração do petróleo. Se tivesse um projeto realmente sólido, não havia discussão.

Matinal – Lula está refém do Centrão e do Arthur Lira. Tem como sair disso?

Merval – A única possibilidade é se a economia melhorar – está dando sinais de melhora – e a popularidade do Lula crescer. Aí ele poderá começar a enfrentar o Lira. Não vai ser nunca como quando ele teve 80% de aprovação. O PSDB, quando era o grande adversário do PT, tinha 40% da sociedade. O Lula nunca mais terá o que tinha. Está empatado, dividido ao meio. É difícil ele se acostumar com a ideia de que não é mais um deus.

Matinal – O Brasil viveu uma época de encantamento com a Lava Jato. A imprensa repercutiu muito o que a Lava Jato trazia. Hoje, retrospectivamente, como avalia? A Lava Jato criou o bolsonarismo?

Merval – Não. Isso foi o que os petistas inventaram. Quem criou o bolsonarismo foi a roubalheira na Petrobras, a roubalheira do mensalão. Olhando para trás, eu que sempre fui a favor da Lava Jato, admito, diante das evidências surgidas, que eles ultrapassaram certos limites. Embora ache que no Brasil sem ultrapassar nada se consegue, pois até o mensalão nenhum político havia sido condenado. Isso não é normal. Começaram a ser condenados porque o Joaquim Barbosa ampliou a interpretação. Márcio Thomaz Bastos queria dividir o mensalão e mandar cada caso para um lugar.  Foi a primeira vez que políticos foram confrontados com a lei. Foi a interpretação estendida da lei que conseguiu comprovar e prender gente.

Matinal – O Lula foi inocentado ou, como dizem seus adversários, “descondenado”?

Merval – Inocentado, não, pois não foi julgado em nenhum momento. Quando julgado, foi condenado. Não descondenaram, anularam os processos. Descobriram anos depois que Curitiba não era o lugar para julgar. Essa coisa de que quem não é condenado é inocente, é uma bobagem. Eu não fui julgado a ponto de ser condenado, nem você, mas ele foi.

Matinal – O senhor acha que ele era culpado?

Merval – Não tem dúvida nenhuma. Aquela coisa toda montada não aconteceria sem ele. Imagina o PT fazer alguma coisa sem que o Lula saiba. Era um projeto enorme, entregar a Petrobras para que partidos nomeassem os diretores. Não tenho dúvida nenhuma. Pode-se discutir se era um projeto para o partido, para o bem do país, que tinha de ser financiado, acho isso uma maluquice, mas dizer que não houve e que o PT não sabia, que o Lula não sabia…

Matinal – Que papel atribui a Sérgio Moro?

Merval – Sérgio Moro e Deltan tentaram fazer a coisa certa pelos meios errados, ou não conseguiriam. Moro aceitou ser ministro de Bolsonaro no sentido de aprofundar a investigação, de dar força para aos diversos juízes de primeiro grau pelo país todo, aprovar leis no Congresso. Acho que ele fez tudo com boa intenção. Ele errou, pois permitiu que anulassem todo o trabalho que fizeram.

Matinal – Como enfrenta a pressão da esquerda no sentido de que a Globo ajudou a Lava Jato e acabou favorecendo a ascensão do bolsonarismo?

Merval – Não acho que tenha sido isso que levou Bolsonaro ao poder. Eu sofro isso há anos. Sofri com o Bolsonaro também. As pessoas são binárias. Como eu era crítico ao PT, automaticamente me viam como bolsonarista.

Matinal – Houve uma época em que o viam como tucano?

Merval – Pois é! Eu critico bolsonaristas e petistas pelas mesmas razões: valores democráticos, morais, mas não no sentido de não querer casamento gay. Nada disso. Ninguém está fora do mundo. Valores e projetos para o país que nenhum dos dois têm. O PT até tinha, mas o projeto se perdeu pelo caminho. Embarcou num projeto de poder a qualquer custo e deu no mensalão, no petróleo, nessa coisa toda.

Matinal – Para terminar com literatura: tem bons escritores jovens que esteja lendo agora?

Merval – Que eu esteja lendo agora, não. Tem muita gente jovem escrevendo e a gente está até pensando em criar um prêmio para primeiro livro publicado.

Matinal – Já leu Jeferson Tenório e José Falero?

Merval – Não.

Matinal – Itamar Vieira Júnior?

Merval – Sim.

Matinal – Gosta?

Merval – Gosto. Itamar já não é mais um novo.

Matinal – Há quem diga que ele entrará na Academia Brasileira de Letras.

Merval – Não será uma surpresa. A Ana Maria Gonçalves, com um “Defeito de cor”, é um espetáculo. Ela fez um livro. Parece que vai sair outro agora.

Matinal – Ela merecia entrar para a Academia, não?

Merval – Não posso dizer. Mas é um grande nome. Ela é uma possível candidata. A gente quer botar na Academia mais mulheres, negros, índio.

Matinal – Krenak seria um grande nome.

Merval – Acho que sim.

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