Juremir Machado da Silva

Rei Charles III

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Rei Charles III Charles III foi coroado no início de maio | Foto: The Royal Family

Nada mais anacrônico como instituição do que a monarquia. Num mundo moderno nenhuma função pública poderia ser transmitida hereditariamente. A permanência da monarquia não acompanha a evolução dos costumes. Charles III, coroado no último sábado, é o triunfo da mediocridade. Impopular, sem carisma, jamais mostrou competência pessoal para o que quer que seja. Possivelmente a monarquia ainda exista por estes motivos: o gosto de parte da população pelo imaginário de reis, rainhas, príncipes e princesas como forma de escapar da rotina e do anonimato; a ideia de que alguns podem simbolizar uma existência acima dos comuns; a infantilidade dos contos de fada na vida adulta como vestígio de uma cultura primária, afeita ao paternalismo e à submissão voluntária; as notícias que rendem para os tabloides.

A coração de Charles III foi um acontecimento que flopou. Se foi notícia no mundo inteiro, produziu pouca emoção. Mesmo uma monarquia parlamentar e quase cerimonial como a britânica revela, de certo modo, a nostalgia pelo poder absoluto e divino dos reis. Por trás desse anacronismo parece se esconder a crença numa loteria existencial capaz de designar os grandes deste mundo. Não deixa de ser uma forma de pensar que o destino pode apontar o dedo para este ou aquele, separando-o do rebanho. Quem sabe o destino não escolhe um de nós a qualquer momento para ganhar na loteria, receber uma herança improvável ou ser objeto de uma paixão que transforme a vida. Algo como publicar um livro que faça um sucesso estrondoso, ser convidado para um cargo altamente honroso, tropeçar num pote cheio de moedas de ouro.

Toda monarquia é uma excrescência. Um monumento ao kitsch mesmo que as etiquetas da realeza encarnem o bom gosto do luxo. Que méritos tem Charles para ser rei? O que ele fez? Quais as suas contribuições ao longo da vida para a democracia? Em mais de sete décadas de boa vida, com tudo na mão, como se comportou e o que produziu? A impressão que a monarquia inglesa passa é a de um grupo de pessoas ociosas cortando fitas de inaugurações com a cabeça em outro lugar. Os livros que os membros da família real publicam, além de render muito dinheiro e fofocas, revelam que os homens escapam do tédio servindo às forças armadas, quando podem até matar sem correr qualquer perigo de morrer.

Numa perspectiva do tipo positivista (Comte acredita que a humanidade passava por três estágios), a monarquia só pode ser o que sobrou de um estágio primitivo (primevo, primeiro, inicial). Quem pode enxergar em Charles III o pai protetor, o líder condutor, a figura tutelar, qualquer coisa assim? A monarquia caducou. Charles III é a melhor expressão possível de um ritual que só faz sentido como lembrança. Certamente a vida ficaria mais árida sem essas fantasias.

Na verdade, todo o ritual da coroação tem por objetivo atualizar e simbolizar a importância da tradição, da autoridade, da estabilidade, da fidelidade e da submissão ao poder e aos poderosos. Tudo na cerimônia, das carruagens às joias, remete ao colonialismo, a um passado de glórias cada vez mais inglórias e incômodas. Quem, porém, não tremeria ao ser convidado para jantar com Charles III e Camila?


Tambor tribal (Frente Parlamentar de Combate às Notícias Falsas)

Participei, no Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa do RS, da instalação da Frente Parlamentar de Combate às Notícias Falsas, presidida pela deputada Laura Sito. Esteve presente na solenidade o ministro Paulo Pimenta. Na minha fala, salientei pontos que considero fundamentais para a democracia brasileira: retorno da exigência de diploma universitário para exercício do jornalismo; regulamentação das Big Tech, que devem pagar pelos links de conteúdo jornalístico distribuídos e ser corresponsabilizadas pelos crimes que ajudam a disseminar; pluralismo na mídia. No caso das rádio e televisões gaúchas há, no momento, acachapante uniformização pela direita. Para ter opinião forte e livre só se for de extrema direita.


Parêntese da semana

Parêntese #173 Aprendendo o passado. Uma edição que mexe com o tempo de cada um de nós. O editor Luís Augusto Fischer, porém, avisa: “Mas sim, queremos entender o presente, igualmente. Por exemplo nas crônicas de Beatriz Marocco, que aborda a ex-primeira dama nacional, e de Paulo Damin, que fala de certas ‘disputas coloniais’ de hoje”


Frase do Noites

O iluminista anda num surto de objetividade: “Fraudar cartão de vacina não é apenas crime, o que é gravíssimo, mas também chinelagem”.


Imagens e imaginários

Edgar Morin, quase aos 102 anos, continua ativo na publicação de livros e nas postagens no Twitter: “O consumismo é uma adição a produtos inúteis, de valor ilusório ou imaginário, tóxicos, às vezes”. Li isso e fiquei com saudade do mestre. Fui rever um pequeno vídeo em que ele, na churrascaria Barranco, canta alegremente ao meu lado.


Escuta essa

Andei em Palomas, minha terra real e fictícia, em busca do que não mais serei. Quando faço isso, minhas raízes nativas aparecem. Então eu ouço “Homens de preto”, de Paulo Ruschel, com o Grupo Caverá:

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