Juremir Machado da Silva

Sessenta anos nesta noite

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Sessenta anos nesta noite

Muito me perguntei sobre como seria chegar aos 60 anos de idade. Sou dos que pensam sobre a passagem do tempo. O leitor que me desculpe ocupar tanto espaço com uma questão tão pessoal. Estou com Tolstói (sempre): falar da aldeia é falar do universal. Portanto, falar do próprio umbigo é falar de todo mundo. Chego aos 60 como um sobrevivente: nos últimos dois anos tive hospitalização de uma semana por Covid-19, depois uma infecção bacteriana violenta, fui demitido duas vezes, uma como radialista e outra como jornalista, e ando ainda às voltas com possivelmente uma sequela mais do que longa deixada pelo coronavírus. Quero, contudo, comemorar: estou vivo, animado e em pé.

Agora, sou Matinal. Parece que Deus ajuda quem madruga.

A partir deste sábado, 29 de janeiro, sou também oficialmente idoso. Amigos me garantem que não é mais assim, que passou para 65 anos. Alguns falam por interesse próprio; outros por cortesia. Não creio que seja por preconceito. Salvo estrutural. A prova disso seria que em Porto Alegre já não tem mais passagem de ônibus gratuita para jovens sexagenários. Como faz dois anos que não pego ônibus, isto é, desde que a pandemia começou, não pude conferir. Uma coisa é certa: sou aquariano e faço aniversário junto com o Romário, que eu admirava como centroavante. Como político ele está sempre longe da área. Não sei o que tudo isso significa. Parece que ser aquariano é legal. Ao fazer 50 anos, dei uma grande festa, com escola de samba e tudo, e convidei muita gente, amigos, colegas, políticos, até algum desafeto. Agora, a festa será mais comedida: encontrar uns dois ou três amigos muito próximos, abraçar muito a Cláudia e dar uma passeada na Redenção, que virou meu salão diário, onde andar é como dançar.

O bar Cantante (Fernandes Vieira, 615) vai estender um varal com poemas meus. Ideia da Jane, que é uma querida apaixonada por poesia. Aliás, para comemorar esses 60 tão esperados por mim acabo de publicar pela Sulina – um livro assim eu só poderia lançar com o Luís Gomes, parceiro de tantas jornadas, “amigo de fé, meu irmão, camarada” – “Quase (toda) poesia”. Desculpe a citação. Sei que alguns não toleram esse tipo de apreço pela cultura de massa. Eu adoro massas. A Cláudia me disse que de noite devo cortar os carboidratos. Aceito tudo que ela diz. Resmungo um pouco. Depois, pelo meu bem, acato. E sigo vivo.

Já pedi meus presentes imediatos: que comprem meu livro de poemas (a idade desinibe) e assinem o Matinal. Baita site. Belo jornal diário digital. Tem a revista Parêntese, com a digital do Luís Augusto Fischer, tem o Roger Lerina e tem o pessoal que bolou e implantou o projeto, o Filipe Speck e o Tiago Medina. E a Marcela e a Adriana. Em pouco tempo de vida o Matinal já ganhou um monte de prêmios. Bravo! Um presente a me ser dado mais tarde? Tirar o Bolsonaro do poder. É uma questão de apostar na ciência, no conhecimento, no iluminismo, nas vacinas, na verdade, na civilização contra a barbárie, na civilidade.

Se forem me xingar, imploro: gritem “vai pra Estocolmo, social-democrata safado!” Não digam fdp. Apesar do frio que faz por lá, o modelo me agrada. Quanto mais a idade avança, mais gosto dos países escandinavos. Eu só corrigiria o clima deles. E acrescentaria samba, Bossa Nova, batuque, nossas praias, Gre-Nal, feijão, churrasco (ainda não evoluí o suficiente para deixar de ser carnívoro) e caipirinha (mesmo não bebendo álcool). Estou legitimando clichês? Gosto de alguns na medida certa. Qual é a medida certa? Não faço a menor ideia. Brincadeira: com moderação. É sabido que até água em excesso faz mal.

Sessenta anos, pois, com cabelos grisalhos, alguma dor nas pernas, muitos projetos, uma leve protuberância abdominal, muita saudade do que não fui, algumas imagens fixadas na parede da memória, mais de quarenta livros publicados, uns seis por sair (depois encerro, prometo), cinco anos para a aposentadoria pelo INSS (que medo!), milhões de páginas lidas, só nos últimos dois anos foram as obras completas de Machado de Assis e releituras de obras sem pressa de terminar como “Guerra e Paz” e “Ulisses”, uns seis jogos de futebol por semana na televisão, séries em profusão na Netflix, novela (só BBB eu não consigo, mil desculpas aos que gostam), muito Beethoven e Belchior, lembranças de Palomas, de Paris, de Paros e de mim.

Espero poder fazer uma nova crônica sobre idade dentro de anos.

De resto, canto com Cesar Vallejo:

Eu morrerei em Paris, com aguaceiro,

um dia que não sei, mas já recordo.

Morrerei em Paris, talvez – não fujo

numa quinta de outono, igual à de hoje.

Mas pode ser em Palomas, num sábado de primavera. Sem pressa.

Contato: [email protected]

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