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Golpistas pacíficos

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Golpistas pacíficos Golpitas invadiram Congresso, STF e Palácio do Planalto em 8 de janeiro | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Semana passada escrevi uma carta que começava celebrando as boas notícias que vinham de Brasília. Bastaram dois dias para que a capital federal pegasse fogo com o atentado promovido por bolsonaristas.

Desde o episódio de domingo, tem me chamado a atenção mensagens de repúdio de quem apoiou Jair Bolsonaro (PL) e agora condena os atos de vandalismo. O que ocorreu em 8 de janeiro foi, acima de tudo, um ataque à democracia. Obviamente a violência empregada pelos golpistas é condenável. Meu ponto é que muitos defensores da ordem hoje estão há meses passando pano para golpista sob a justificativa de que as manifestações eram “pacíficas”. Ignoram que houve ataques a jornalistas, bloqueio de via e perturbação da vizinhança. Por mais de dois meses.

Se de fato estão preocupados com a democracia, por que apoiaram os acampamentos golpistas? Por que o prefeito Sebastião Melo (MDB) e o então governador Ranolfo Vieira Jr. (PSDB) permitiram que permanecessem lá? É crime pedir intervenção militar ou incitar a “animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”. Hoje dizem “violência não é o caminho” como quem diz que o objetivo final, o golpe, até seria justificável por outros meios (lembram de 2016 e o impeachment de Dilma Rousseff?).

A vereadora bolsonarista Fernanda Barth (PSC), por exemplo, veio a público condenar o vandalismo em Brasília depois de ter sido acusada e ameaçada por suposta participação no ato golpista da capital federal. Ela desmentiu, garantindo que estava em Porto Alegre. Não foi a Brasília, mas esteve no acampamento de pauta claramente golpista que se instalou em frente ao Comando Militar do Sul, no Centro Histórico da capital gaúcha. Sua presença foi registrada por ela mesma em um post publicado em 15 de novembro (imagem ao lado), mas apagado do seu perfil no Instagram depois da invasão à Praça dos Três Poderes. 

Você pode dizer “mas é diferente”. Sim, é. Mas ambas ações ameaçam a democracia. E essa tolerância nos trouxe até aqui. Eu ainda não esqueci – e imagino que você também não – de Jair Bolsonaro, então deputado federal, exaltando o nome do militar torturador Brilhante Ustra dentro do Congresso Nacional em 2016. Nada aconteceu. Quer dizer, aconteceu sim: ele foi eleito presidente dois anos depois disso.

Outro exemplo: a Federasul publicou uma “nota pela pacificação do país” no dia 11 de janeiro afirmando lamentar as “invasões de prédios dos três poderes, bem como ataques à democracia”. Não pude deixar de lembrar que no dia 2 de dezembro recebi um convite para participar de um evento promovido pela entidade sobre a engenharia do futuro, com palestra de Luis Roberto Ponte. A mensagem chegava um dia depois de ter vindo a público a carta da Sociedade de Engenharia do RS, assinada por Ponte, pedindo escancaradamente intervenção das Forças Armadas. A SERGS também se manifestou agora para repudiar os atos de domingo – desta vez, a nota não tem assinatura de Ponte.

Enquanto o crime era “apenas” pedir ditadura militar, tudo bem. Agora ficou feio bater palma para quem quebra vidraça.

Perigo das redes

Quero deixar claro que são condenáveis as ameaças e a desinformação contra a vereadora Fernanda Barth. Essa caça às bruxas levou à identificação equivocada de outras pessoas que não estavam no ato de 8 de janeiro, como o deputado conhecido como Gaúcho da Geral (PSD). É compreensível a torcida para que os golpistas paguem pelos crimes que cometeram. Mas essa gana de justiça a qualquer custo gerou desinformação e mais violência. Aqui no Matinal evitamos publicar perfis de redes sociais cujas autorias desconhecemos e que reúnem imagens e nomes de pessoas presentes no atentado de Brasília. Há um canal do Ministério da Justiça para que denúncias desse tipo sejam encaminhadas. Informações podem ser enviadas para [email protected].


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

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