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Melo, escute as mulheres

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Melo, escute as mulheres Debate sobre Plano Diretor é liderado por uma gestão majoritariamente masculina e branca (Fotos: Pedro Piegas / PMPA)

Uma cidade boa para as mulheres é boa para todo mundo. Se uma rua é segura para nós, será segura para crianças, idosos e pessoas com deficiência. 

Por quê? Porque as mulheres são as grandes responsáveis pelas atividades relacionadas ao cuidado. Circulam pela cidade com carrinhos de bebê, empurrando cadeiras de rodas. São elas que levam as crianças para a creche, depois para casa da avó – para onde voltam após uma passadinha no mercado. São as mulheres periféricas que atravessam a cidade de uma ponta a outra para fazer faxina em bairros ricos e de classe média.

Mas talvez não seja nessa revisão que as questões de gênero serão contempladas no Plano Diretor de Porto Alegre. Nas 60 páginas que reúnem as recomendações debatidas na Conferência de Avaliação do Plano Diretor, não há uma menção à palavra “mulher” ou “mulheres”, tampouco ao termo “gênero”.

Não foi por falta de tentativa. Quando o tema foi levantado durante a discussão no eixo sobre desenvolvimento social e cultural, ouviu-se de alguns presentes que o Plano Diretor “não é lugar pra isso”. Assim como temas como a parentalidade e o assédio ficaram por muito tempo restritos a revistas femininas, as necessidades das mulheres urbanas ainda não são uma pauta de interesse amplo.

Quem me contou essa cena foi a copresidenta do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS) Clarice Oliveira, que participou da conferência com uma fala sobre gestão democrática. Professora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, ela tem uma explicação para a temática de gênero e suas interseccionalidades ter sido excluída do debate: “É uma novidade. No campo do planejamento urbano, não se olhava para isso, não só no Plano Diretor de Porto Alegre, não se falava nas salas de aula”.

A professora afirma que é uma mudança de chave recente deixar de pensar a cidade sob um olhar masculino. “Dentro da arquitetura e do urbanismo, temos a figura do homem universal, o ‘modulor’, que foi desenvolvido pelo Le Corbusier. O nosso plano de 79 segue a Carta de Atenas, que foi formulada pelo Corbusier”, explica.

Essa figura criada pelo arquiteto francês modernista serviu de referência para a arquitetura e o planejamento urbano no mundo todo. Trata-se de um homem europeu de 1,80m, que, como bem destaca Oliveira, “não nos representa” – nós mulheres, que somos a maioria em Porto Alegre.

Apesar de mais numerosas na população – e cada vez mais presentes no corpo técnico da área de planejamento urbano da prefeitura, segundo a professora –, ainda somos minoria entre os tomadores de decisão. No caso da revisão do Plano Diretor da capital, ainda que haja duas mulheres à frente do debate (a diretora de Planejamento Urbano, Patrícia Tschoepke, e a coordenadora da mesma área, Vaneska Henrique), destaca Oliveira, no primeiro escalão estão o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, e o próprio prefeito, Sebastião Melo, e seu vice, Ricardo Gomes. Além disso, o documento passará pelo crivo de uma Câmara Municipal majoritariamente masculina e branca.

Por isso, estou aqui outra vez, correndo o risco de soar repetitiva, chamando a atenção para a importância de se pensar uma cidade sob a perspectiva das mulheres. Um passo importante foi dado ontem na Câmara de Vereadores, em uma roda de conversa sobre as demandas das mulheres para Porto Alegre, mediada pela vereadora Biga Pereira (PCdoB) e com a presença de entidades como o IAB-RS e a União Brasileira de Mulheres, além da deputada federal Daiana Santos (PCdoB). Temas como transporte coletivo de qualidade nas periferias, acesso a serviços de saúde e educação e moradia de interesse social estiveram na pauta.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

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