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Um aeroporto que virou parque

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Um aeroporto que virou parque Parque em Quito conta com espaços de preservação ambiental e áreas para esportes | Foto: Epmmop/Divulgação

O Parque Bicentenário, em Quito, completa 10 anos no mês que vem. É uma das maiores áreas verdes da capital equatoriana, com 103 hectares. Dependendo de onde você caminha, ainda vai ver resquícios do aeroporto que funcionou ali de 1960 a 2013.

A antiga pista de decolagem virou um espaço compartilhado para atividades esportivas. O parque já recebeu grandes eventos, de shows do Metallica a visita do Papa Francisco. Sua gestão está sob a responsabilidade da prefeitura. 100% pública.

Estive no Bicentenário no ano passado. Enquanto caminhava e ouvia a história de como o parque livrou da extinção uma rã marsupial típica da região, me perguntei: como Quito salvou da especulação imobiliária e preservou uma área verde cravada no meio da cidade? 

Antigo aeroporto de Quito funcionou até 2013 | Foto: Epmmop/Divulgação

A resposta é simples: vontade política. Ainda em 2004, a administração municipal determinou que todo o espaço que abrigava as operações aeroportuárias se transformaria em um parque. Naquela época, já se planejava um novo aeroporto, já que o primeiro não tinha mais para onde crescer. A 40 quilômetros da cidade, foi construído o Aeroporto Internacional Mariscal Sucre, inaugurado em 2013, mesmo ano em que os 2 milhões de moradores de Quito ganharam de presente o novo parque.

Gabriel Flores, arquiteto responsável pelo desenho de espaços públicos na Empresa Pública Metropolitana de Mobilidade e Obras Públicas (Epmmop), conta que a decisão do município inclui dispositivos que impedem que administrações futuras revertam a função do lugar. A ação aconteceu na esteira de um plano desenhado ainda no século 20 para transformar Quito em uma “cidade jardim”, basicamente um lugar que privilegia a proximidade com a natureza. “(O parque) é uma consequência de uma série de planos da cidade para manter uma boa relação com as áreas verdes e resgatar espaços públicos para que os cidadãos possam desfrutá-los”, disse Flores ao colega panamenho Nicanor Alvarado, que me acompanhava na viagem*.

Até 2020, o município investiu US$ 9 milhões no espaço. Segundo a Epmmop, por ano, são gastos US$ 480 mil com a manutenção da área, recurso garantido no orçamento municipal. O parque não gera receita, nem por isso é considerado “deficitário”, como falou o diretor de Estruturação de Desestatização da Secretaria Municipal de Parcerias, Fernando Pimentel, a respeito da Redenção para justificar sua concessão, suspensa neste momento. 

Há espaço para a prática de esportes diversos | Foto: Epmmop/Divulgação

Trata-se de um investimento no bem-estar da população e na preservação ambiental. Nesses 10 anos, foram plantadas 15 mil exemplares de espécies nativas. A ideia é plantar 10 mil árvores por ano. Flores destaca que o parque foi desenhado para aproveitar as antigas infraestruturas do aeroporto e oferecer variadas atividades recreativas, especialmente aquelas que não eram contempladas em outras áreas da cidade, e assim valorizar a prática de esportes.

O projeto inicial do Parque Bicentenário, que recebe até 7 mil pessoas nos finais de semana, previa retirar o asfalto da pista de decolagem e aterrissagem para transformar tudo em área verde, mas o alto custo impediu a obra – há camadas de asfalto que, em alguns pontos, ultrapassam 2 metros sob a pista, que tem ao total 70 mil metros quadrados. A solução foi transformar a área asfaltada em um espaço compartilhado de ciclismo, skate e atletismo.

O Parque Bicentenário tem ainda outras iniciativas que podem servir de inspiração para nossas áreas verdes, como hortas urbanas e projetos de reaproveitamento de água.

Parque recebe até 7 mil pessoas nos finais de semana | Foto: Francisco Vega/Meridian International Center

Enquanto isso, por aqui…

O caso de Quito me lembrou a indefinição sobre o futuro do antigo terminal do Salgado Filho, onde a Fraport Brasil pretende implementar operações comerciais “a fim de despertar o interesse de investidores do mercado imobiliário e contribuir com o desenvolvimento socioeconômico”. Não sei se haveria viabilidade técnica para um parque no local, mas não deixa de ser simbólico que, enquanto Quito transformou um aeroporto em espaço público de lazer, Porto Alegre deve implementar no seu antigo terminal mais um shopping.

Nesta semana, contamos no Matinal a história de um espaço verde que foi adotado e preservado por moradores de Alvorada, mas em breve será leiloado pela prefeitura. Também voltamos ao caso do Morro Santana, onde indígenas estavam ameaçados de uma remoção forçada de um terreno que já foi considerado Área de Preservação Ambiental, mas já tem aprovado um projeto para erguer 11 torres pela empresa que detém sua propriedade. 

Me pergunto quando vamos despertar para a necessidade urgente de valorizar nossas áreas verdes e os povos que as protegem. 

Em tempo

Na semana passada, escrevi sobre a ausência da palavra “mulheres” no documento que resultou da Conferência de Avaliação do Plano Diretor e trouxe um relato sobre a tentativa frustrada de um debate sobre questões de gênero em um dos eixos de discussão. Acontece que, mais tarde, eu vi que, sim, houve uma conversa sobre as necessidades das mulheres em outro eixo, conforme informou a prefeitura

O papo foi mediado pela diretora de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Patrícia Tschoepke. O município, aliás, afirmou que questões de gênero estariam sendo abordadas na revisão do Plano Diretor pela primeira vez. Em breve, voltarei a essa pauta.


* Marcela Donini, editora-chefe do Matinal, viajou a convite do Consulado dos EUA em Porto Alegre com um grupo de jornalistas latino-americanos para uma capacitação em infraestrutura de grandes projetos, promovida pelo Centro Internacional Meridian e pela Embaixada dos EUA no Panamá.
Contato: [email protected]

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