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Mais quentes, águas do mar gaúcho favorecem novos eventos climáticos extremos

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Mais quentes, águas do mar gaúcho favorecem novos eventos climáticos extremos Caraá, no Litoral Norte, foi um dos municípios mais atingidos pelo ciclone extratropical de junho | Foto: Maurício Tonetto/Secom

Temperatura voltou a crescer após ciclone extratropical no meio de junho

O mar gaúcho está mais quente em 2023. A alteração que vem afetando o Oceano Atlântico já tinha sido percebida antes da passagem do ciclone extratropical, que atingiu o Rio Grande do Sul nos dias 15 e 16 de junho e deixou 16 mortos. Uma semana depois do evento climático, as águas da costa voltaram a esquentar, conforme aferição do Observatório Climatológico dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês). 

A temperatura considerada normal para esta época do ano no Estado é em torno de 17,5°C, mas, entre maio e o início de junho, a medição chegou a estar 2°C superior. O índice é considerado elevado e pode gerar mais riscos, segundo especialistas. “Essa anomalia positiva pode trazer riscos bastante elevados, como vimos com o ciclone”, salienta o coordenador do Curso de Geografia da Escola de Humanidades da PUCRS, Luciano Zasso.

Ainda que a tendência seja de resfriamento a partir da maior frequência de frentes frias em razão do inverno, na última sexta-feira, conforme o órgão norte-americano, as águas gaúchas estavam novamente perto de 2°C acima das marcas habituais para esta época do ano. A situação, para além das consequências meteorológicas, também é um fator de risco à vida marinha. 

Imagem: Reprodução / NOAA

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), durante o ciclone de 16 de junho, os ventos em Tramandaí, no Litoral Norte do RS, chegaram a 102 km/h – ou 55 nós. Em Maquiné, também no litoral, choveu cerca de 250 milímetros segundo a MetSul Meteorologia, enquanto que Porto Alegre teve, em um período de 24 horas, mais de 150 milímetros de chuva – a média histórica para o mês de junho na cidade é de 130 milímetros.

Situações extremas como essas tendem a acontecer com maior frequência a partir de nova condição climática, no contexto do aquecimento global. O professor Luciano Zasso cita como exemplo uma maior probabilidade de ventos muito mais fortes, de mais de 100km/h. Ele ainda destaca que, em paralelo, períodos mais alongados de calor também estão sendo registrados no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre.

“A temperatura da superfície do mar impacta não só junto à franja litorânea mas a áreas mais interiorizadas”, pontua o especialista, que ponderou que os efeitos são sentidos de diferentes formas conforme a região. O ciclone recente é um exemplo. Passado o vendaval e a chuvarada, dias depois o problema foi a cheia dos rios que banham a região da Grande Porto Alegre e cujas nascentes ficam entre a Serra e o Litoral. O Rio do Sinos teve a sua maior cheia em dez anos.

Adaptação das cidades é urgente

Enquanto os efeitos de ciclos geológicos naturais são impossíveis de conter, a ação humana precisa ser minimizada, reitera o geógrafo. “Temos que buscar com todas as forças diminuir as emissões, cuidar com os gases de efeito estufa e trabalhar em prol das nossas florestas. A Amazônia é um componente importante, ela impacta de maneira bem decisiva o clima do Rio Grande do Sul”, declara. Logo, o desmatamento de áreas a milhares de quilômetros do solo gaúcho acaba por ser um agravante dessas questões: “É um fator que interrompe um fluxo de umidade, os famosos rios aéreos”.

Há, portanto, uma necessidade de as cidades se adaptarem, o que varia de uma região para outra. Em tempos de especulação imobiliária e gentrificação de orlas em cidades turísticas, é preciso olhar com atenção para novas construções perto do mar, que são potenciais áreas afetadas por erosão. “Cada vez mais temos que deixar os ambientes naturais preservados. No litoral, devemos deixar uma área de amortização entre a beira da praia e a ocupação humana para períodos de mais energia do mar”, destaca Zasso.

A falta desta área de contenção somada à pressão imobiliária pode resultar em tragédias. Um exemplo é o grande temporal que atingiu o Litoral Norte de São Paulo em fevereiro deste ano. A força do evento provocou enxurradas e deslizamentos de terra, que levaram à destruição da região e causaram a morte de 65 pessoas, entre elas 17 crianças. A Vila Sahy, no município de São Sebastião, ficou destruída. De acordo com o Inmet, foram 683 milímetros de chuva, um recorde no país, gerados por uma série de fatores climáticos e geológicos.

Das construções perto do mar à erosão no Hermenegildo

Para além da força dos eventos, o aquecimento provavelmente também está por trás da elevação do nível do mar em diferentes pontos do mundo, de ilhas do Oceano Índico a diversas praias brasileiras. Um exemplo é a praia do Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, no Sul do Estado. Lá, distante do olhar turístico mais acurado, o mar já avançou uma quadra inteira a partir da erosão. “É uma combinação de fatores naturais e reforçados pelo efeito antrópico”, aponta o Zasso.

Somado aos fatores naturais, o professor explica que o avanço das construções humanas sobre as dunas da praia acabou sendo determinante para a posterior deterioração das residências. “A duna frontal é um sistema natural de proteção da orla. Ela serve muito como proteção da orla em regiões que o nível do mar está subindo ou em ressacas. E ali, associado a essa elevação do nível do mar – o que é um indicador possível de elevação do nível global do mar –, houve essas construções que acabaram gerando um impacto, fazendo com que a areia dali não pudesse reforçar o sistema de dunas frontais”.

“Hoje uma boa faixa daquela primeira faixa de casas já sucumbiu ao avanço do mar. Outras fazem proteções com estruturas de concreto e rochas, para tentar mitigar os efeitos. É uma tentativa momentânea de conter essa elevação”, acrescenta Zasso. Em outubro de 2016, um ciclone destruiu dezenas de casas no Hermenegildo. A maioria eram residências que ficavam próximas ao mar. 

“A tendência é que o nível siga subindo. Ali, já sabemos que o ser humano não teve esse cuidado e acabou avançando sobre um sistema natural de proteção”, sentencia Zasso. E as situações de hoje, adverte, servem de alerta a Porto Alegre do futuro: “Algumas projeções dizem que daqui a 100 anos, se o nível do mar seguir subindo, a água do Guaíba avançaria sobre a cidade”.

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