Reportagem

Em meio a falta de água, população busca fontes públicas em Porto Alegre

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Em meio a falta de água, população busca fontes públicas em Porto Alegre Moradores pegam água na fonte pública da rua Carlos Trein Filho, no bairro Auxiliadora. Foto: Geovana Benites/Matinal

Desde o fim de semana, cerca de 70% da área da capital está sem abastecimento. Vigilância alerta para o uso de fontes públicas

Com boa parte dos bairros sem água em Porto Alegre, moradores da capital estão recorrendo a uma das nove fontes públicas da cidade para abastecer suas casas. Na rua Carlos Trein Filho, no bairro Auxiliadora, ao menos desde domingo uma longa fila reúne dezenas de pessoas que esperam para encher galões e garrafas na bica disponível. No entanto, é necessário cuidados para o consumo e utilização desta água, pois há recomendações conflituosas sobre o tema por parte de autoridades.  

Unisuper cobra 9,90 por 1,5L | Foto: Ricardo Romanoff

Os problemas de abastecimento começaram ainda na sexta-feira, e, nesta segunda, ainda não havia previsão de normalização do serviço. Garrafas de água mineral somem dos mercados, que subiram os preços e já limitam a compra por cliente.

Fila na bica

Moradora do São João – uma das localidades sem água devido ao desligamento da estação de tratamento de água do Moinhos de Vento –, Sandra Damiani relata estar sem água e sem luz desde sábado. Foi então que encontrou na fonte da Auxiliadora uma solução para o desabastecimento. 

“Estávamos quase desistindo, por conta da grande fila, mas eu e minhas enteadas conseguimos encher pelo menos um galão de água, que estamos utilizando para cozinhar”, conta. “Na bica, há pessoas pegando água da poça da chuva para poder usar para dar descarga”, relata Sandra. 

Foto: Geovana Benites/Matinal

A reportagem da Matinal acompanhou o fluxo de pessoas na fonte pública do bairro Auxiliadora na tarde desta segunda. Depois de três horas aguardando na fila, Giovanna Octaviana, que está sem água desde domingo no bairro Chácara das Pedras – a cerca de 4 quilômetros dali –, estava a poucos metros de conseguir encher o galão que carregava. “Tentamos comprar, mas só encontramos água com gás no mercado. Descobrimos a bica (da rua Carlos Trein Filho) por ‘boca-a-boca’ mesmo”, conta. 

Um pouco mais no final da fila, o morador da rua Nova York, a menos de dois quilômetros da bica, Kenay Schmatz,  sem água desde sexta-feira, chegou na fonte com diversos garrafões de água vazios. Ele ficou sabendo do local por grupos do WhatsApp. “Vim pegar água pra mim e pra outras famílias. Principalmente pros meus pais que moram no Centro, próximo a avenida João Pessoa”. Kenay revelou que desde sexta-feira segue tentando comprar água, mas sem sucesso. 

Foto: Geovana Benites

Em lojas, vendas instantâneas

Enquanto as filas se acumulam nas bicas, o comércio de água não acumula estoques. Na avenida Plínio Brasil Milano, uma distribuidora de água mineral já tem encomendas de galões agendados até a próxima quarta-feira. “No sábado, quando eu abri a loja, tinha uma fila de clientes, e eu estou dando prioridade aos que vem na loja buscar”, afirma Maria Solange Conceição, proprietária da distribuidora Água na Boca. 

“Hoje, 7h45 da manhã, já tinha muita gente aqui na rua esperando, e eu tinha só 32 galões, que foram vendidos em minutos”, acrescentou a comerciante. “O meu distribuidor vai me trazer mais 50 hoje à tarde, mas todos já estão vendidos.”

Vigilância alerta para uso de águas de fontes

Ao passo em que centenas de pessoas fazem busca por fontes naturais no meio urbano, a Diretoria de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria Municipal de Saúde alertou em comunicado na tarde desta segunda que o consumo da água de fontes públicas não é indicado. Em nota, a pasta afirmou que “todas as fontes de Porto Alegre são monitoradas mensalmente e apresentam presença de coliformes fecais e/ou da bactéria escherichia coli”.

Segundo relatório publicado em janeiro de 2024, pela Equipe de Vigilância em Saúde Ambiental e Águas (EVSAA), das nove fontes públicas da cidade, somente uma – da Gruta da Glória – apresentou ausência de coliformes (indicador de presença de bactérias que não necessariamente representam problemas para a saúde) e escherichia coli (bactéria presente no intestino de animais e humanos que pode representar risco de presença de organismos que causam doenças). 

Fonte: EVSAA/DGVS/SMS

A Vigilância e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) não recomendam o consumo da água das fontes públicas de Porto Alegre. Porém, o Ministério de Saúde possui uma cartilha de cuidados com a água e os alimentos em situações de crises emergenciais. A principal indicação é que a água utilizada para beber seja somente a água tratada. Em contrapartida, o documento orienta que, caso não haja água potável para consumo, é necessário tratar a água disponível através da filtração e desinfecção. 

Além disso, o relatório sobre as situações das fontes públicas da capital (imagem acima) indica que uma das fontes, a Gruta da Glória, atualmente é tratada com cloro, além de demonstrar ausência das bactérias que podem fazer mal à saúde dos consumidores.

Sem previsão de normalização

Após manifestações públicas do prefeito Sebastião Melo (MDB) pedindo uso consciente de água, a prefeitura decretou racionamento de água em Porto Alegre. No texto, o município pede para que sejam evitadas atividades como lavagens automotivas, lavagem de calçadas e fachadas, rega de jardins e gramados, salões de beleza, clínicas estéticas, academias, banho e tosa de animais.

O decreto tem validade “até que seja retomada a situação de regularidade do abastecimento de água”. Desde o fim de semana, cerca de 70% da área da capital está sem abastecimento, em razão de problemas em cinco das seis estações de tratamento de água do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), em função do alagamento. 

Até o fim da tarde, não havia previsão de normalização, de acordo com o diretor-geral do Dmae, Maurício Loss. Segundo ele é necessário que o nível do Guaíba reduza para iniciar o processo de religamento. Só que não se sabe o quanto: “Não temos como precisar em que nível precise estar pra religar esse sistema”, afirmou ele, lembrando que as águas do Guaíba ainda entram no interior da cidade neste momento. 

Ao fim da tarde desta segunda, apenas quatro das 23 casas de bomba, que fazem o escoamento de volta ao rio, estavam funcionando. “Algumas porque foram inundadas, algumas desligadas por segurança”, explicou Loss. O escoamento mais lento torna mais demorada a normalização do serviço. 

Em comunicado emitido ainda no final da tarde de segunda, o Dmae confirmou que a Estação de Tratamento de Água (ETA) Menino Deus não está mais operando, apenas a Estação Belém Novo segue em funcionamento, com a capacidade reduzida.

Prefeitura tenta religar Estação São João

Em paralelo, a prefeitura e a CEEE Equatorial anunciaram que estão trabalhando em uma ação para tentar religar a estação São João, que atende grande parte da zona norte de Porto Alegre. “Estamos trabalhando com a CEEE numa operação, da madrugada para cá, que está bem adiantado, para nós conseguirmos energia para ligar a São João”, disse o prefeito Sebastião Melo. “Mas este assunto não está finalizado”, acrescentou, explicando que se trata de uma operação delicada de remanejamento da rede elétrica. 

Melo não deu prazo para que a medida surtisse efeito, apenas prometeu: “Todos os esforços estão sendo feitos para abastecer minimamente a cidade”.  

Nota da Prefeitura na íntegra:

O consumo de águas de fontes públicas não é indicado, pois esta água não é potável. O alerta é da Diretoria de Vigilância em Saúde  (DVS). Todas as fontes de Porto Alegre são monitoradas mensalmente e apresentam presença de coliformes fecais e/ou da bactéria escherichia coli, presente no intestino de animais e humanos. 

“A presença destes microrganismos ocasiona diversas doenças infecciosas em decorrência da falta de tratamento”, destaca o chefe da Equipe de Vigilância em Saúde Ambiental e Águas (EVSAA), Alex Lamas. Além disso, a ingestão de água não potável pode ocasionar problemas de sobrecarga e dificuldade no acesso à rede de saúde pública, em um momento crítico para a cidade.

As recomendações para este momento são as seguintes:

  • Não utilizar água de fontes e vertentes
  • Consumir água engarrafada para beber e preparar alimentos
  • Nas regiões com abastecimento de água do Dmae ativo, utilizar moderadamente a água, que pode ser usada para consumo e para cozinhar os alimentos. 
  • A água recolhida das fontes, no entanto, pode ser usadas para limpeza e para descarga de vaso sanitário, por exemplo. 
  • O consumo da água de fontes para humanos ou pet não é recomendado nem após a fervura.

No atual cenário, apenas duas estações de tratamento de água estão em operação, ocasionando redução na capacidade de abastecimento. A água distribuída pelo Dmae está dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde e não possui riscos à população.

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