Prefeitura mantém disposição de leiloar o prédio da Smov
Travado por uma liminar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região há cerca de 40 dias, a venda do prédio que foi sede da antiga Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) segue na pauta da prefeitura. Desde o ano passado, a gestão de Sebastião Melo (MDB) tenta leiloar o edifício, que tem valor histórico segundo pesquisadores e entidades ligadas à arquitetura, apesar do não reconhecimento na esfera municipal.
No fim de março, em participação em evento na Federasul, Melo voltou a tocar no assunto publicamente: “Tem gente que defende os pobres e vai para o judiciário, ao Ministério Público para impedir a venda deste prédio, porque diz que esse prédio tem traço histórico. Vou lutar imensamente para vender esse prédio e fazer residência para quem mais precisa”, afirmou, em referência à proposta da prefeitura, de usar a maior parte do valor para construir 254 moradias populares, no residencial Barcelona, a ser erguido no bairro Humaitá.
“A Smov, com todo o respeito, não é um prédio modelo da cidade, não é um prédio inovador, não tem nada de proteção cultural”, complementou o prefeito, em fala que vai de encontro a uma série de pesquisas, que ressaltam as características do prédio, inaugurado em 1970, e do conjunto ao qual pertence.
Em paralelo às manifestações do prefeito, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) protocolou recurso contra a liminar da Justiça Federal em ação movida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS) para preservar a fachada do edifício, localizado na avenida Borges de Medeiros, próximo à Ipiranga. Em outras palavras, o imóvel não poderia ser demolido por um eventual comprador – o que, no caso de um eventual novo projeto imobiliário, poderia diminuir o lucro previsto no empreendimento.
Apesar de o prefeito não reconhecer valor histórico no prédio, o CAU/RS reitera o entendimento contrário. “A preservação do patrimônio cultural não pode ser tratada como empecilho para desenvolvimento das cidades, ao contrário, ela agrega valor, destacando a identidade cultural local, contribuindo para a sustentabilidade”, afirmou a presidenta do CAU/RS, Andréa Ilha.
Ela ressaltou que a entidade não é contrária ao leilão, mas seguirá defendendo a preservação da antiga sede da Smov, embasada em estudos técnicos. “Neste caso em especial, ficamos muito tranquilos pois nosso posicionamento acompanha pareceres de instituições como a Faculdade de Arquitetura da UFRGS e uma série de entidades tradicionalmente vinculadas à defesa do Patrimônio Cultural, com reconhecimento inclusive internacional.”
Entre aluguel e moradia de favor
Representante das famílias que irão ocupar o Residencial Barcelona, a líder comunitária Lurimar Fiúza lamentou a falta de desfecho da situação e lembrou que, enquanto o processo se desenrola, os futuros moradores do Barcelona “continuam morando de aluguel ou de favor”. De acordo com ela, os beneficiários em sua maioria recebem em torno de até três salários mínimos por mês.
Ela se disse contra a uma eventual demolição do prédio da Smov, mas cobrou uma destinação à estrutura, que estava sem uso pela prefeitura desde 2022. “O que tem de planejamento? Quando colocaram na justiça, acho que deveriam ter um projeto para explicar o porquê (de não demolir)”, comentou ela, lembrando que existem também outros diversos prédios públicos vazios no centro. “Nos perguntamos: qual será o destino deles?”
Na próxima semana, ela pretende tentar marcar uma nova reunião com o Departamento Municipal de Habitação. “Precisamos de uma reunião com a prefeitura para que a gente possa saber qual é a realidade e o que vai andar”, destacou.
Cinco meses de embates
O edital do leilão foi publicado em novembro do ano passado, em um evento também marcado pela presença de representantes da construção civil. O prédio foi avaliado em R$ 48,1 milhões. O executivo garante que irá atrelar a maior parte do montante arrecadado, cerca de R$ 42 milhões, na construção do Residencial Barcelona 1 e 2, no bairro Humaitá, onde 254 famílias poderão ser atendidas.
O processo, porém, acabou marcado por embates jurídicos baseados nas características da edificação. Pelo menos desde 2017 houve tratativas para inscrevê-lo na relação de patrimônio público de Porto Alegre, uma vez que ele é considerado um dos marcos da arquitetura modernista na capital.
Por haver uma demanda do tipo tramitando internamente da prefeitura, uma decisão judicial – movida a partir de ação do Ministério Público – suspendeu o leilão em 27 de novembro. O processo tramitou até o início de fevereiro, quando o Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural rejeitou o pedido de inventário, apesar de um acordo prévio, construído em 2017.
A partir daí, o MP retirou a ação. Só que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS), que anteriormente já tinha acionado o judiciário, voltou a carga e obteve a liminar no início de março, garantindo a preservação do prédio – e impedindo a sua demolição, no caso de o leilão ser realizado.
De acordo com o gerente jurídico do CAU/RS, Alexandre Noal dos Santos, a entidade deve apresentar até o mês que vem as contrarrazões ao recurso apresentado pelo município. “Após, o processo será julgado pela 3ª Turma, provavelmente ainda no ano de 2024”, projetou.
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