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Persistência de internações por Covid sugere transição de pandemia para endemia no RS

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Persistência de internações por Covid sugere transição de pandemia para endemia no RS

Mesmo com o avanço da vacinação e diminuição constante do número de mortes, total de pacientes internados UTIs deixou de cair e oscila entre altos e baixos há mais de um mês e meio

Depois de um ano e meio de Covid-19, é possível dizer que a situação da pandemia já não é tão grave quanto foi. No Rio Grande do Sul, mais de 93% da população adulta já tomou pelo menos a primeira dose da vacina, o que fez com que a média móvel de mortes relacionadas ao coronavírus esteja em um patamar dez vezes inferior ao de março, no ápice da doença no Estado. No entanto, há cerca de 50 dias, um dado passou a resistir em cair: o de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva por conta da Covid nos hospitais gaúchos. 

Desde o início de setembro, o número de leitos de tratamento intensivo ocupados por pacientes com coronavírus no Rio Grande do Sul transita entre 400 e 500. Na tarde dessa quinta-feira, eram 474 – um dos mais altos nesse período. Em Porto Alegre, há pelo menos um mês o gráfico estabilizou-se entre 135 e 150 leitos de UTI ocupados por pessoas diagnosticadas com Covid. Para especialistas, os dados podem indicar a tendência de que a doença torne-se uma endemia, ou seja, quando torna-se recorrente na região, sem aumentos significativos de casos. Nesse caso, a população passa a conviver com o coronavírus.

Essa possível endemia se dá num momento em que o problema da ocupação de leitos de UTI é bem menos grave do que em março, quando mais de 2,6 mil pessoas estavam internadas em UTIs ao mesmo tempo no Estado. Na época, faltaram leitos para atender a demanda e o sistema de saúde do RS, mesmo reforçado ao longo da pandemia, colapsou. 

Maior circulação de vírus, menor impacto e novas cepas: a conta para entender a contaminação

Para a diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Cynthia Bastos, o processo é natural em um momento em que a vacinação permite que regras de distanciamento sejam flexibilizadas: “É normal haver uma confusão sobre a vacinação. Vacinar todo mundo não significa controlar a pandemia, significa que as pessoas vão morrer menos daquela doença. Para haver controle da pandemia só com vacinação, é preciso esperar um certo tempo e vacinar um certo número de pessoas, que ainda não sabemos qual é”, explica ela. “A vacinação tem o efeito de diminuir a mortalidade, mas o outro lado disso é aumentar a circulação, o que torna as pessoas mais suscetíveis ao vírus. Isso prejudica principalmente os grupos de risco.”

Secretário de Saúde de Porto Alegre, Mauro Sparta ressalta também a eficácia da vacinação no controle dos casos: “A nossa perspectiva é de que o número de pacientes internados em UTI vá diminuindo cada vez mais, na medida em que vá avançando o processo de vacinação, principalmente a segunda dose e a dose de reforço. O perfil de internados mudou, já que pessoas têm a doença agora e muitas vezes não se torna tão grave, porque a maioria está vacinada”.

Nesse cenário, para Cynthia ainda, que é cedo para caracterizar a situação como endêmica. Só que essa é uma tendência: “Uma pandemia existe quando há um aumento de casos em vários lugares ao mesmo tempo, com a necessidade de uma resposta coordenada internacional. A endemia acontece com casos baixos, em um nível que é capaz de ser monitorado. Sarampo, por exemplo, sabemos mais ou menos quantos casos existem no Estado. No caso da Covid, continuamos em uma pandemia não controlada, com boa parte do mundo sem vacinação adequada e possibilidade de surgimento de variantes a qualquer momento”, detalha.

Antivacinas e idosos sem dose de reforço são os mais afetados

Entre os internados por Covid em UTI atualmente, dois grupos têm maior representatividade – e ambos ajudam a entender a importância da vacinação. Um deles é formado por idosos que ainda não tiveram acesso à dose de reforço. Estudos identificaram que algumas vacinas perdem parte do poder de imunização após um tempo (normalmente, em torno de 6 meses), o que fez com que fosse instituída a dose de reforço, na metade de setembro. Como a aplicação da dose de reforço está em andamento, há quem seja infectado nessa janela de tempo. 

Já o segundo grupo é vítima da desinformação ou da preguiça: de um tempo para cá, com a vacinação já em processo adiantado, o perfil dos pacientes em estado mais grave passou a ser de não-vacinados. No Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre, um dos pontos de referência no combate à Covid no Brasil, por exemplo, 70% dos pacientes internados em UTI em setembro não tinham a vacinação completa – no momento em que o calendário vacinal de Porto Alegre já atende crianças de 12 anos e oferece terceira dose para quem tem direito, já com 72% da população adulta totalmente vacinada. 

No mês anterior, quando a vacinação havia chegado a 42% da população de maneira completa, eram 43% de não vacinados na UTI do hospital. Em agosto, 58% dos internados não tinham se vacinado, taxa que era de de 63% em julho. Ou seja, mesmo com o avanço da imunização, o número de pessoas vacinadas internadas é o menor desde abril – quando apenas 12% da população havia tido acesso ao imunizante.

“No início da pandemia, ainda sem vacina, observamos o predomínio da população acima dos 50 anos entre os internados mais graves. Quando a vacinação passou a evoluir, essas faixas etárias passaram a ter menos internações. Agora, mesmo que em níveis menores, pessoas com mais de 60 anos voltam a predominar. E, junto com eles, as pessoas que optaram por não se vacinar ou não completaram o esquema”, relata a médica epidemiologista Carina Ramos, do Núcleo de Epidemiologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição.

Números ainda devem cair, mas doença vai demorar para desaparecer

Se um possível caráter endêmico da Covid-19 significaria uma convivência constante com o vírus, também representaria uma queda ainda mais significativa no número de mortes e internações diárias – o que, segundo o professor Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela UFRGS, pode acontecer: “A situação não é agradável, mas é mais tranquila. O pior passou, e se espera que não volte, graças à segunda dose e à dose de reforço, que são muito positivas”, comenta ele, que frisa: “O vírus não vai desaparecer, deve se tornar uma doença endêmica. Mas, no sentido da mortalidade, estamos vislumbrando o final dessa pandemia”.

A epidemiologista Carina Ramos explica que o Hospital Conceição trabalho com todo o tipo de perspectiva, mas projeta uma evolução para números mais baixos: “Imaginamos que vá decair, mas que a demanda vá ser mantida por um tempo. A expectativa é estabilizar em uma taxa mais baixa do que a atual, mas precisamos sempre ficar atentos às novas cepas e outros surtos”.

É também o que ressalta Cynthia Bastos, diretora do Cevs: “Não tem solução mágica. A ideia deve ser de aprender a conviver com o vírus e passar por esse processo de forma menos traumática”, diz. “Sobre a vida que tínhamos lá atrás? Calma… Estamos em processo de transição.”

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