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“Mais do mesmo”, diz Matheus Gomes sobre pré-candidaturas do PT e PSOL

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“Mais do mesmo”, diz Matheus Gomes sobre pré-candidaturas do PT e PSOL Quinto deputado mais votado, Matheus Gomes engrossa críticas sobre o processo que definiu pré-candidatas à prefeitura de Porto Alegre. Crédito: Divulgação

Se mantidas as decisões tomadas nos congressos municipais de dois dos maiores partidos de esquerda em Porto Alegre, a cidade poderá ter duas candidaturas já experimentadas na política local na eleição de 2024. Maria do Rosário, pelo PT, e Luciana Genro, pelo PSOL, foram novamente nomeadas nos processos internos dos partidos – 16 anos antes, em 2008, as duas eram concorrentes para chefiar o Poder Executivo na capital. Maria do Rosário seguiria para o segundo turno, e Luciana ficaria em quarto lugar, atrás de Manuela d’Ávila, que saíra pelo PCdoB. José Fogaça, pelo então chamado PMDB, foi reeleito com 59% dos votos.

Ainda há muita disputa para definir a chapa com chances de unificar o campo da esquerda, mas a definição dos nomes de Maria do Rosário e Luciana Genro como pré-canidatas gerou ruído no debate político porto-alegrense, com questionamentos sobre a viabilidade das candidaturas.

Líder histórico do PT, Tarso Genro também considerou que o partido estava se precipitando ao indicar uma pré-candidata antes de buscar uma aliança com as forças de centro-esquerda. Manuela D’Ávila também publicou um longo texto em suas redes sociais, no qual cita a necessidade de inovação e inventividade na disputa do ano que vem. O pleito de 2024, para ela, demonstra a necessidade de “olhar renovado para a periferia da cidade, dando a suas filhas e filhos as maiores votações”. Candidata a vice de Luciana Genro, Tamyres Filgueira rebateu as críticas de Manuela dizendo que sua eleição é, sim, uma valorização das mulheres negras no partido.

O deputado estadual Matheus Gomes, do PSOL, também abriu debate em suas redes sociais e falou com exclusividade à Matinal sobre o processo que definiu as pré-candidaturas. “Respeito os nomes escolhidos, são companheiras capazes e combativas, mas lançar uma pré-candidatura completa, a essa altura do campeonato, só poderia gerar o sentimento de confusão, incerteza e até mesmo desânimo que vimos crescer entre as pessoas de esquerda nos últimos dias”, diz.  

Na viagem de volta da COP28, a Conferência da ONU para o Clima, ao Brasil, Matheus respondeu a entrevista a seguir. Com 32 anos, Matheus atua desde os 17 anos no movimento negro, estudantil e periférico. Em 2022, foi eleito o quinto deputado estadual com maior votação no estado com 82.401 votos, sendo o mais votado de Porto Alegre.

Como você classifica o processo que definiu a candidatura à prefeitura no PSOL?

Um erro político. Respeito os nomes escolhidos, são companheiras capazes e combativas, mas lançar uma pré-candidatura completa, a essa altura do campeonato, só poderia gerar o sentimento de confusão, incerteza e até mesmo desânimo que vimos crescer entre as pessoas de esquerda nos últimos dias. 

O campo político que faço parte no interior do partido apresentou uma resolução contrária, que defendia concentrar forças no processo na construção das prévias entre o conjunto da esquerda e os movimentos sociais do campo democrático e popular. Perdemos, na política isso faz parte, somos um campo novo no PSOL gaúcho, estamos acumulando forças.

Aliás, em 2022, também perdemos a linha para as eleições, num primeiro momento. Defendemos a unidade da esquerda e as direções do PT, PCdoB e PV sugeriram o nome de Pedro Ruas como candidato único ao senado. A maioria do PSOL rejeitou a proposta, lançou Pedro Ruas ao governo e Roberto Robaina para senador. Dois dias depois da Conferência Eleitoral do PSOL, quando Olívio Dutra entrou na jogada, eles voltaram atrás sem consultar as bases, e aderiram à chapa liderada pelo PT.

Penso que, pelo menos desde as eleições municipais de 2016, quando a direção do PSOL gaúcho cometeu um grave erro político na leitura sobre o golpe contra a Dilma e os sentidos da Operação Lava Jato, o partido tem acumulado erros no Rio Grande do Sul quando o assunto é a relação com a esquerda, os movimentos sociais e as táticas eleitorais.

Em sua leitura, o quão democrático é o processo no interior do PSOL que definiu o nome de Luciana Genro?

Tenho muito respeito por Luciana, minha colega de bancada na Assembleia, mas penso que ela lidera de forma equivocada uma maioria no partido em nível estadual. Como o Movimento Esquerda Socialista (MES), organização da qual ela faz parte, perdeu a hegemonia nacionalmente para o campo do qual faço parte (PSOL de Todas as Lutas), por aqui a linha é ignorar a existência de uma minoria e fazer uma série de ziguezagues com as deliberações dos fóruns do partido.

Ainda no primeiro semestre, a executiva do PSOL aprovou uma proposta de minha autoria, que sugeria a abertura de uma mesa de diálogo entre partidos e movimentos sociais. Fizemos uma entrega dessa carta ao PT, mas foi somente um ato formal. Depois disso só sabíamos do andamento das conversas entre as direções partidárias através das colunas políticas da imprensa.

Na sequência, o PSOL encaminhou ao seu Congresso Estadual, em setembro, que definiria a tática eleitoral apenas em 2024. Novamente, defendemos o foco imediato nas prévias e perdemos. Lamentei, pois penso que a esquerda já deveria ter definido uma candidatura única, estamos atrasados.

Mas além da condução equivocada, o principal erro é político: o abandono das prévias.

Agora, sem muitas explicações políticas, a direção do PSOL mudou de opinião e propôs definir uma tática no Congresso Municipal da semana passada. Como já disse, não é a primeira vez que isso ocorre.

Mas além da condução equivocada, o principal erro é político: o abandono das prévias. E pior, justamente quando Manuela D’Avila e Miguel Rossetto, que acumularam 45% de votos nas últimas eleições, defendem a ampliação do debate; quando lideranças históricas como Tarso Genro simpatizam com a ideia, e no momento em que o Movimento Negro Unificado apresenta o meu nome à cidade, mas, acima de tudo, defende a participação de algum membro da Bancada Negra na chapa. Nesse sentido, creio que as direções de PT e PSOL fizeram um movimento semelhante: puxar o freio de mão para não perder o controle da discussão.

E para além do seu partido, no campo da esquerda como um todo, como você interpreta o processo em andamento?

Vejo que as direções dos partidos de esquerda estão com uma visão conservadora. Não vou nem dizer que é ultrapassada, pois no passado a maioria desses dirigentes foram inovadores. A fundação do PSOL foi um ato de ousadia, que se mostrou corretíssimo nas últimas duas décadas. A direção do PT implementou o Orçamento Participativo e chamou o mundo à capital gaúcha para pensar uma alternativa à globalização neoliberal no Fórum Social Mundial. Fantástico!

Mas, e agora? O mundo mudou, para pior. Nossas alternativas falharam. O Brasil ficou à beira do fascismo e uma das características desse movimento, apoiado pela máquina de fake news e dezenas de think tanks neoliberais, é mobilizar uma rebeldia profundamente reacionária, que tem formado novas lideranças políticas muito rapidamente. E nós?

Vejam: renovações na esquerda brasileira têm ocorrido quando ousamos apostar em processos mais amplos que as fronteiras partidárias. Pego o exemplo do PSOL a nível nacional, que é um partido aberto a novidades. Basta ver a liderança que Guilherme Boulos assumiu, ingressando recentemente no partido com milhares de filiados ligados ao MTST. Ou Sonia Guajajara, que lidera a Bancada Indígena com Célia Xakriabá e hoje ocupa um cargo ministerial. São exemplos de movimentos sociais se fundindo com as estruturas partidárias, é o ativismo enxergando na forma-partido uma possibilidade de dias melhores.

Em Porto Alegre, as direções optaram pelo “mais do mesmo”. O perigo é que não estamos numa conjuntura monótona, pois a extrema direita fascista ainda não foi derrotada estrategicamente.

Em Porto Alegre, as direções optaram pelo “mais do mesmo”. O perigo é que não estamos numa conjuntura monótona, pois a extrema direita fascista ainda não foi derrotada estrategicamente.

Essa crítica, que esteve em publicações recentes nas suas redes sociais, tem paralelo em outros coletivos e movimentos sociais?

Claro, já citei o Movimento Negro Unificado mas eu acho que ativistas e simpatizantes da esquerda observam bons exemplos em países vizinhos se perguntam: “por que aqui é sempre tudo igual”?

Na Colômbia, Gustavo Petro e Francia Márquez foram escolhidos em prévias. Ninguém pensava numa mulher negra de vice, ela rompeu uma barreira. No Chile, o presidente mais jovem da América Latina venceu as prévias antes de vencer as eleições. No Uruguai, a Frente Ampla há décadas experimenta processos de debate mais amplos, como o próprio nome sugere. Na Argentina há o PASO (primárias partidárias), que é um pouco diferente dos exemplos que citei, mas também testa diferentes nomes antes da eleição em si. E no Brasil? Por aqui as direções dos partidos não criam nada novo, são um “um museu de grandes novidades”.

Imaginem nós juntarmos filiados de todos os partidos, listas de movimentos sociais diversos, com quatro acordos fundamentais: enfrentar o bolsonarismo e o neoliberalismo de Melo, organizar um programa de esquerda que faça sentido para melhorar as condições de vida do povo porto-alegrense, mobilizar bairros da periferia ao centro e respeitar a decisão sobre quem for mais votado nas prévias.

Seria um fato inédito no Brasil, colocaria em pauta novamente a tradição de criatividade organizativa e imaginação política da nossa cidade.

Há alguma articulação para promover algum outro processo decisório a respeito da candidatura da esquerda na cidade, para além do que foi definido nos congressos partidários? Se sim, qual a perspectiva de que avance, dado que as candidaturas em princípio já estão definidas?

Ainda tenho esperança que as direções reflitam e façam um processo mais amplo de escuta e deliberação. No entanto, por fora dos partidos não há alternativas, a legislação brasileira não permite. Aliás, creio que a esquerda deve voltar a se imaginar para além do que está posto nas legislações atuais, pois o sistema político é conservador, engessado e alheio à participação popular.

Mas é isso, e aqui aproveito para reafirmar: se a esquerda tiver uma candidatura única, estarei nas ruas seja quem for a candidata. Mas acho que, nesse momento, podemos ir além.

Qual a leitura do deputado sobre a chance de êxito eleitoral das candidaturas já definidas na esquerda?

A esquerda tem chances em Porto Alegre, é claro. Os resultados do ano passado provam isso. O que não temos é um nome com “densidade eleitoral”, por isso insisto tanto em apostar no movimento, na mobilização das bases, numa coletividade que rompa a mesmice e faça os nomes escolhidos terem uma legitimidade que até o momento não foi alcançada.

Você, nas redes sociais, falou no “erro de não ouvir as periferias”. Poderia explicar do que se trata?

Aqui, o termo periferia pode ter dois sentidos. A periferia política de cada partido, ou seja, aqueles e aquelas que estão à margem das direções, não necessariamente no cotidiano da política profissional, o que inclui filiados e não filiados. A esquerda não pode convocar essas pessoas à mobilização apenas nas vésperas da eleição.

Mas também vale para a periferia socialmente dita, porque foi nesses territórios que a esquerda perdeu a última eleição municipal, foi aí que o bolsonarismo penetrou, tragicamente, mas também foi aí que surgiu a novidade da Bancada Negra.

E isso é uma contradição perigosa, pois o Melo e os seus aliados entenderam bem, e resolveram ampliar a política de gerenciamento da pobreza em Porto Alegre, ou seja, cooptaram muitas pessoas nas comunidades, enquanto o governo concentra a esmagadora maioria dos investimentos no centro e deixa migalhas à periferia, que está carente de reformas estruturais há décadas.

A bancada negra tem posição sobre esse assunto?

Não temos uma posição fechada. A Bancada Negra cresceu rapidamente, se une em torno do antirracismo e é bastante diversificada, felizmente.

No entanto, fico profundamente espantado que nenhum de nós tenha sequer sido cogitado pelas direções dos partidos. Por quê? Votos, nós temos. Não temos capacidade? 

Justamente quando surgem lideranças negras, a esquerda resolve incorporar o discurso liberal da “experiência de gestão”. Eu ouvi isso de dirigentes partidários: “vocês não têm experiência”. O Olívio tinha experiência de gestão em 1988, quando a Frente Popular se elegeu pela primeira vez em Porto Alegre? Não. Tinha trajetória de luta, foi deputado constituinte, mas, em primeiro lugar, apostou na participação popular para governar, com muita humildade. 

Esse argumento acerca da experiência eu não aceito, é um subterfúgio para manter posições e privilégios ligados aos aparatos dos partidos, é não aceitar a renovação, que é feminina, negra e periférica.

O que foi caracterizado como “silenciamento” em sua publicação mais recente?

No domingo eu expressei a minha visão crítica, penso que de forma bem ponderada e respeitosa. Mas a esquerda às vezes lida mal com críticas. Até a página oficial do PT, um veículo institucional, foi na minha postagem fazer comentários, no mínimo, pouco reflexivos. Aí, em vez de entrar a fundo no debate, vários militantes tentam te desqualificar, usam argumentos ad hominem e, talvez o mais comum, te acusam de divisionista.

Não por acaso, o mesmo aconteceu com a Manuela anteontem, quando ela publicou uma crítica às direções dos partidos. Eu não vou silenciar as minhas opiniões. Como vocês puderam ver, ao longo dessa entrevista, estou falando de questões bem mais amplas que a eleição do ano que vem. Se eu instigar esse debate de forma sincera, já ficarei extremamente satisfeito.


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