“Pagão”: monumento à Oxum é vandalizado em Porto Alegre
Na manhã de quinta-feira, um grupo de mulheres negras tirava fotos em frente ao monumento à Mãe Oxum, na orla de Ipanema, em Porto Alegre. Depois de sorrir para a lente do celular, a mais velha delas lamentou: “As pessoas não respeitam. Pra que fazer isso? Não faz mal pra ninguém”. Ela se referia às pichações no pilar que sustenta a imagem da orixá e na placa, onde agora se lê o termo “pagão” e a frase “Cristo vive”.
Segundo uma das mulheres, que não se identificou à reportagem, o ataque teria acontecido no dia 21, Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa – justo no dia seguinte, pelas ruas do Centro Histórico, aconteceu a Marcha pela Liberdade Religiosa.
A denúncia chegou à Delegacia de Combate à Intolerância na quarta-feira. A delegada titular Tatiana Bastos informou que aguarda imagens da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para investigar a autoria do crime. Segundo Bastos, pelo menos nos dois últimos anos não há registros de outros ataques à imagem de Oxum.
No Twitter, a deputada federal Daiana Santos (PCdoB) manifestou-se: “É revoltante ver o nosso sagrado ser mais uma vez vítima do ódio fundamentalista e da intolerância religiosa.” Presente na marcha de segunda-feira (22), a parlamentar também comentou sobre outra pauta do ato, a cobrança da realização da Conferência do Povo de Terreiro. A segunda edição do evento foi cancelada pelo governo estadual. Durante a manifestação, que contou ainda com as presenças de outros parlamentares, como Matheus Gomes (PSOL) e o mandato popular do gabinete de Bruna Rodrigues, uma comitiva foi recebida pelo secretário adjunto da Casa Civil, Gustavo Paim.
Intolerância
Moradora da Cavalhada, na zona sul, Mãe Nilza de Xangô Agodô passa com frequência pelo monumento à Oxum, em Ipanema. Ela contou à Matinal que, na segunda-feira, enquanto fazia serviços na região, saudou a imagem e não notou nenhuma pichação. Na terça à tarde, soube do ataque e foi pessoalmente verificar a situação. “É um exemplo bem claro de intolerância religiosa”, destaca Mãe Nilza. Para ela, o ato de vandalismo foi uma resposta à realização da marcha realizada na segunda-feira. “Eles viram o quanto somos fortes, e seremos cada vez mais.”
“Fiquei revoltada, chateada”, complementa ela, que exalta a força de Oxum, a orixá do amor, da fertilidade, da união familiar, das águas. Oxum, explica a mãe de santo, protege as crianças, ajuda mulheres grávidas e também atende a pedidos por dinheiro e emprego. O encanto pela orixá cuja cor é o amarelo leva multidões de fiéis à orla de Ipanema no dia 8 de dezembro, na festa que a celebra, evento já tradicional na cidade.
Mãe Nilza tem 66 anos e sempre viveu na zona sul. Diz não lembrar de outro ataque ao monumento, mas conta que ofensas às pessoas de religiões de matriz africana são comuns. O preconceito, conta, não é de hoje, mas nos últimos anos tem sido mais descarado. “Sempre sofri preconceito, primeiro, como mulher negra, mas também pela minha religião. As pessoas atravessam a rua quando veem as nossas saias, se afastam, gritam com a gente e chutam as oferendas”, afirma.
A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial, informa a Agência Brasil.
Patrimônio histórico-cultural
Instalada desde 1999 na orla de Ipanema, a imagem da Mãe Oxum simboliza a força das religiões de matriz africana no estado. O Rio Grande do Sul é o estado que tem, proporcionalmente, a maior parcela de fiéis de religiões afro, apesar da maioria da população se declarar branca (79%). No estado, 1,48% dos habitantes é do candomblé, umbanda ou de outras religiões afro-brasileiras.
No ano passado, o monumento à orixá foi declarado patrimônio histórico-cultural da cidade. O texto foi proposto pelo vereador Claudio Janta (Solidariedade) e aprovado com 22 votos favoráveis e seis contrários. Com o tombamento, passou a ser proibida a extinção ou remoção da imagem do local.
Veja fotos da Marcha pela Liberdade Religiosa
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