Reportagem

Após discurso antivacina de vereadora, passaporte vacinal volta a ser debatido na Câmara de Porto Alegre

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Após discurso antivacina de vereadora, passaporte vacinal volta a ser debatido na Câmara de Porto Alegre Com vacinação avançada, Porto Alegre tem embate entre defensores e detratores do passaporte vacinal | Foto: Cristine Rochol/PMPA

Esfriado após recuo da Prefeitura, assunto ganhou força em momento que grande parte da população da Capital já se vacinou e às vésperas de liberação de mais público em grandes eventos

Tema polêmico que vem gerando debate em todo o Brasil, o passaporte vacinal voltou a ser debatido pelos vereadores de Porto Alegre nesta semana, graças a um requerimento da vereadora Laura Sito (PT). Na quarta-feira, a petista solicitou à Mesa Diretora da Casa que apenas parlamentares que tenham tomado a primeira dose da vacina possam entrar no plenário. A vereadora Comandante Nádia (DEM) pediu vistas e adiou a decisão, inicialmente prevista para esta quinta.

O debate dá eco a discussões que ocorrem paralelamente em outras cidades, envolvendo exigência de comprovantes de vacinação para certas profissões, determinados eventos ou em locais específicos, e deve ganhar força na capital gaúcha nos próximos dias. Em Porto Alegre, até 2 de setembro, praticamente 90% da população adulta já havia recebido ao menos uma dose, enquanto 58,7% deste público já completou o esquema vacinal. Nas próximas semanas deverá ter início a vacinação de adolescentes sem comorbidades. 

Declaração em plenário de vereadora antivacina foi o estopim para requerimento

O requerimento da vereadora Laura Sito teve como estopim um discurso antivacina da vereadora Fernanda Barth (PRTB), na semana passada. Em pronunciamento na tribuna, Barth afirmou que ainda não tomou a vacina, que tomará “no momento em que achar oportuno” e que, após ter contraído a doença em dezembro do ano passado, realiza exames de três em três meses que apontariam que ela está imune à doença – a imunidade após uma primeira infecção não é comprovada cientificamente e existem casos de reinfecção. A vereadora do PRTB ainda disse que ninguém pode ser obrigado a tomar uma “vacina experimental” e que a CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, é “quase um placebo”. A informação não é verdadeira e a CoronaVac tem autorização para uso emergencial pela Anvisa desde janeiro. 

No entanto, um pedido de vistas da vereadora Comandante Nádia (DEM) adiou a decisão da Mesa em relação ao requerimento da vereadora Sito.

“O ambiente do plenário é pouco ventilado, inclusive fizemos um acrílico para tentar isolar os vereadores. Como a vereadora Fernanda falou que não iria tomar a vacina, protocolei esse requerimento. Mas a vereadora Nádia pediu vistas, o que atrasou a decisão. Ela fez isso porque defende que pessoas que não se vacinam possam andar tranquilamente por aí”, criticou a vereadora Laura Sito em entrevista ao Matinal nesta quinta-feira. Segundo ela, quando o requerimento for avaliado pela Mesa, deve ser aprovado: “Mesmo os vereadores que defendem a flexibilização querem se proteger”, avaliou.

De acordo com a vereadora Comandante Nádia, o pedido de vistas é para que se analise a “fundamentação científica” do requerimento. Crítica ao requerimento e a todos os projetos que estipulam alguma espécie de comprovante de vacinação, a vice-líder do governo no Legislativo uniu-se a Fernanda Barth em agosto para apresentar o seu próprio projeto, que veda a exigência do passaporte vacinal, a comprovação de vacinação, a vacinação compulsória e garante a livre locomoção dos não vacinados, além de proibir sanções aos servidores e agentes públicos do município que se recusarem a se vacinar. A intenção, segundo a proposta, é “assegurar o direito de livre locomoção dos indivíduo”.

“Não podemos ter subcategorias em Porto Alegre. Nós não vivemos em um país ditatorial. Não posso aceitar, de jeito nenhum, que se aprove algo coercitivo ou obrigatório em relação à vacina para as pessoas. Sou a favor da vacina para quem quiser se vacinar”, explicou a vereadora Nádia ao Matinal.

Câmara tem pelo menos quatro projetos envolvendo passaporte vacinal para analisar

Além do projeto de Fernanda Barth, coassinado pela Comandante Nádia, que está em processo de redação e ainda não passou pelas comissões, há pelo menos outros três projetos que envolvem a exigência de documentos de comprovação da vacina.

Apresentado na semana, um projeto do vereador Leonel Radde (PT) propõe a exigência de comprovante de vacinação para estudantes, professores, funcionários e prestadores de serviços ingressarem nas creches e nas unidades de ensino fundamental e médio, para ingresso em imóveis vinculados ao município e para nomeação em cargos públicos e demais modalidades de prestação de serviços ou relação com o Executivo Municipal. A peculiaridade desta proposta é a exigência de comprovante de vacinação para crianças, o que sequer foi autorizado no país até este momento. O projeto aguarda parecer das comissões da Câmara.

O projeto mais abrangente, no entanto, é o do vereador Claudio Janta (SD), que propõe a criação do PMIS (Passaporte Municipal de Imunização e Segurança Sanitária), documento com os dados de vacinação, tipo de vacina aplicada, data e local da vacinação. O PMIS seria usado para entrada em locais públicos e privados, incluindo transporte coletivo, parques e comércios. O projeto também não passou pelas comissões.

Há ainda o projeto do vereador Jonas Reis (PT), que exige a apresentação da Carteira de Vacinação contra Covid-19 para o ingresso em bares, restaurantes, lancherias, academias, casas noturnas, casas de shows, teatros e cinemas. O projeto também está em tramitação nas fases preliminares.

Evento-teste realizado em julho é balizador da proposta defendida por produtores, enquanto OAB defende pondera sobre direitos individuais

Parte importante da discussão sobre a flexibilização das atividades na Capital, a questão interessa aos produtores de eventos de Porto Alegre. Em julho deste ano, um evento-teste com 600 pessoas em que não foram exigidas máscaras e distanciamento social. Considerada um sucesso pela Prefeitura, a festa teve apenas dois registros de Covid entre os participantes nos dias seguintes, média menor do que a da população em geral à época, o que indica que as contaminações durante o teste. 

Naquele momento, foram exigidos testes negativos de Covid para o ingresso na Casa NTX, local do evento. Esse é o padrão que Marcos Paulo Magalhães, representante das casas noturnas e produtores de eventos do Rio Grande do Sul e responsável pelo evento junto à Prefeitura, defende para o futuro.

“O tema da vacinação é extremamente sensível. Sou completamente favorável à vacina, até porque estamos vendo que ela funciona e é interessante para os produtores de evento que o máximo de pessoas se vacine, mas essa questão tem gerado um debate muito acalorado”, comentou Magalhães. “O resultado do evento-teste foi extremamente satisfatório, então defendemos a testagem, que comprovadamente funciona. Em paralelo, estamos pensando em iniciativas que possam incentivar a vacinação, como benefícios para quem tiver a segunda dose”, acrescentou o empresário, responsável por casas noturnas como Provocateur, 300 e Oito Atlântida. 

Segundo ele, as discussões de momento com as secretarias de saúde envolvem a liberação de público de pé em bares. O posicionamento mais recente do Gabinete de Crise do Governo do Estado, que autorizou a volta do público aos estádios, manteve a proibição de pista de dança em casas noturnas e de shows. 

Vice-presidente da Comissão da Saúde da OAB/RS e presidente da Comissão Especial da Saúde da OAB/Canoas, o advogado Lucas Lazzaretti também vê a exigência de um passaporte para a entrada em determinados locais como uma polêmica. Ele defende, no entanto, que o direito da sociedade se sobreponha à liberdade individual neste caso.

“O ponto positivo é que o passaporte vacinal incentiva as pessoas a se vacinarem, fomenta o comércio e beneficia a sociedade. O ponto negativo é que segrega a sociedade e restringe o direito de ir e vir. Qual é o direito mais importante neste caso? A meu ver, seria o da sociedade”, avaliou. O advogado ainda afirma que a discussão vem sendo estimulada internamente na OAB nos últimos dias.

Prefeitura é contrária à proposta

Procurada, a Prefeitura de Porto Alegre afirmou ao Matinal que a questão já foi discutida em junho, quando decidiu-se por não adotar o passaporte vacinal, então não há novas discussões envolvendo o assunto a serem feitas. Naquela época, o diretor da Vigilância em Saúde da Capital, Fernando Ritter, afirmou que um passaporte deveria ser instituído assim que a vacinação chegasse a 70% da população, o que foi defendido também pelo secretário da Saúde, Mauro Sparta, em entrevistas. 

Só que a questão gerou reações na base governista da Câmara e então o prefeito lançou uma nota e engavetou a ideia, dizendo que “não trabalha com projeto que obrigue a imunização ou crie punições para quem não se vacinar”. 

Impasse no Brasil

Em discussões na Capital, a pauta já avançou em outros locais. Desde segunda-feira, medida semelhante passou a valer em São Leopoldo, no Vale do Sinos. Lá, o decreto do prefeito Ary Vanazzi (PT) obriga servidores públicos, cargos comissionados e estagiários a apresentarem comprovante de vacinação contra a Covid-19. A norma vale para autarquias e prestadores de serviços terceirizados do município.

Na quarta-feira, a cidade de São Paulo passou a exigir comprovante de vacinação para a entrada em todos os eventos com público superior a 500 pessoas. Na cidade do Rio de Janeiro, o passaporte vacinal passaria a vigorar também na última quarta, mas foi adiado para 15 de setembro. 

O Senado Federal aprovou, em junho deste ano, o projeto de lei que cria o Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS), outro nome para o chamado passaporte vacinal. O projeto agora tramita agora na Câmara dos Deputados, onde aguarda parecer da na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Caso aprovado, o texto seguirá para a sanção do presidente Jair Bolsonaro, que já se manifestou contra a medida.  

Impasse pelo mundo

Mas não é só no Brasil que a ideia causa controvérsia. Na França, onde o passaporte sanitário passou a ser exigido em julho, há protestos recorrentes contra a medida – o último, no sábado passado, reuniu cerca de 160 mil pessoas em Paris e mais 200 cidades do país. Em junho, o parlamento europeu havia aprovado a exigência de um certificado digital para viagens dentro da União Europeia. 

Nova York deve exigir, a partir deste mês, um documento que comprove a vacinação de trabalhadores e consumidores em qualquer local fechado de uso comum. O Pentágono anunciou que todos os militares americanos precisarão estar imunizados ao longo do segundo semestre deste ano. Já em Israel, o chamado “Green Pass” foi criado em junho, foi deixado de lado meses depois e, com o aumento dos casos no país, voltou com mais força no mês passado, envolvendo até crianças.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já se manifestou contrariamente à criação do passaporte vacinal, temendo que o documento amplie desigualdades. Em julho, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, usou a expressão “apartheid das vacinas” para descrever a situação. 

De acordo com o site Our World in Data, somente 39,9% da população mundial havia recebido ao menos uma dose de vacina anticovid até 2 de setembro de 2021. Menos de 2% das 5,3 bilhões de vacinas administradas foram aplicadas em países de baixa renda.

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