Reportagem

Prefeitura de Porto Alegre está há 8 anos sem titular quilombo do Areal da Baronesa

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Prefeitura de Porto Alegre está há 8 anos sem titular quilombo do Areal da Baronesa Porto Alegre tem hoje 11 territórios que se autodeclaram quilombos. Foto: Maria Emília Portella/ Divulgação PMPA

Permissão para doar o terreno aos moradores – passo final para propriedade definitiva – foi dada pela Câmara em 2015, mas a prefeitura ainda não formalizou o ato

A população do quilombo do Areal da Baronesa, entre a Cidade Baixa e o Menino Deus, espera há mais de oito anos por um breve ato burocrático que representaria a última etapa para sua titulação definitiva. A comunidade reside há décadas em uma área que pertence oficialmente ao município. 

O próprio governo, em maio de 2015, submeteu à Câmara um projeto que o autorizaria a doar a área aos moradores. O Legislativo o aprovou por unanimidade, mas as últimas duas gestões não finalizaram o processo para dar à comunidade a propriedade permanente do local onde vive. 

Reconhecido como um dos principais e mais antigos redutos negros da Capital, o Areal da Baronesa começou a ser ocupado por escravos alforriados ainda no final do século 19. A comunidade recebeu, em 2003, o certificado de quilombo urbano pela Fundação Cultural Palmares, com reconhecimento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2014. Bastaria a desafetação do terreno, por parte da prefeitura, para que a titulação pudesse ser finalizada.

“A prefeitura deveria simplesmente averbar, no cartório, o título em nome da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal, a doação da área, já que foi autorizada a fazê-lo. Um procedimento relativamente comum. Trata-se de um caso típico de prevaricação por parte do município”, diz o advogado Onir de Araújo, integrante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul.

O terreno cuja doação foi autorizada pela Câmara Municipal fica entre as ruas Barão do Gravataí e Baronesa do Gravataí, oficialmente no bairro Menino Deus. À época, o Legislativo deu “previsão expressa” pela inalienabilidade da área, e instituiu-a como Área Especial de Interesse Cultural. “Pretende-se a proteção de identidades, formas de vida, memória e pertencimento”, disse o prefeito à época, José Fortunati. “O Quilombo do Areal é um dos últimos remanescentes das ocupações típicas da região e vive sob constante pressão de um mercado imobiliário em franca expansão”, afirmou o ex-chefe do Executivo, na Câmara, quando foi aprovada a doação da área.

Porto Alegre tem hoje 11 territórios que se autodeclaram quilombos – oito são reconhecidos pela Fundação Palmares, os outros têm esse processo em conclusão. O único que tem concluído seu processo de titulação – que é a efetiva posse pelos moradores – é o Quilombo dos Silva, que fica no bairro Três Figueiras. 

O Censo 2023 é o primeiro a mensurar a população quilombola nas cidades. Menos de 25% dos quilombolas da Capital vivem em territórios reconhecidos. Porto Alegre, considerando o Rio Grande do Sul, é a cidade com mais residentes: 2.295. Apenas 495, entretanto, vivem nesses territórios. 

“Poderíamos ter mais comunidades tituladas em Porto Alegre, a curto prazo. Esta cidade teria todas as condições para ter, em breve, pelo menos três comunidades quilombolas, considerando também o Areal da Baronesa e o Quilombo dos Alpes, que estão a poucos passos da conclusão de seus processos. Isso poderia dar paz para de 700 a 800 famílias”, argumenta Onir de Araújo.

Há, para ele, uma busca pela inviabilização do pleito das comunidades quilombolas – que se dá, entre outras formas, pela postergação do ato final para titulação. “Do ponto de vista político, basta caminhar pela Porto Alegre de 2023. O que prima, na perspectiva urbana, é uma cidade muito hostil à presença dos povos quilombolas, dos povos originários, que vão na contramão à noção do que se consolida na ocupação dos territórios em Porto Alegre”, diz.

Essa provisoriedade cria problemas para as comunidades nos territórios quilombolas. Tanto na pressão imobiliária, para o comércio de terrenos, como no acesso a políticas públicas. “Isso pode minar as relações comunitárias. As populações ficam muito mais expostas sem a conclusão do processo”, afirma o advogado. “Quando se avança na titulação, a resposta da prefeitura é postergar a desafetação. No meu entendimento isso é exemplar em uma cidade extremamente desigual. Por outro lado, o governo municipal conseguiu aprovar, na Câmara, em 2022, um pedido de autorização para vender 93 imóveis públicos”, questiona.

Porto Alegre, de acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2017, é a cidade com maior desigualdade racial no país. A média do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) da população negra na Capital é de 0,705, enquanto o da população branca é de 0,833, uma diferença de 18,2%, a maior encontrada entre as cidades brasileiras consideradas no estudo.

Contatada pela Matinal ainda na quinta-feira (27), a assessoria da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária respondeu na sexta, informando que havia solicitado as informações ao setor competente. Na segunda-feira, informou que o tema é responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Social, que não respondeu até o fechamento desta reportagem.

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