Projeto de Melo quer controlar feiras ecológicas por decreto e incluir “atravessadores”
Na lei que tramita na Câmara, feirantes perdem autonomia, e gestão das feiras será feita por meio de decretos do governo municipal
A despeito do desejo dos agricultores por uma legislação específica que regulamente as feiras ecológicas em Porto Alegre, o projeto de lei enviado pela prefeitura à Câmara Municipal gera apreensão no setor. No último sábado (28), produtores reservaram parte do tempo das vendas para protestar contra a regulamentação, argumentando que a proposta retira a autonomia dos feirantes e coloca a organização dos espaços nas mãos do governo.
A família Bellé desde 1989 desce de Antônio Prado, na serra, para vender vegetais, doces, sucos e polpas de frutas nativas na feira que acontece nos sábados, no Bom Fim. “Podemos perder muito com a desestruturação de um modelo criado há 34 anos na Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), uma perda de identidade irreparável”, conforme relatou a agricultora Franciele Bellé à Matinal.
No Projeto de Lei 37/2023, os trechos que mais preocupam os agricultores se referem à gestão das feiras. Conforme o texto proposto pela prefeitura, a organização, estrutura e funcionamento serão definidas por meio de decreto municipal. O governo diz que o projeto assegura a autogestão das feiras ecológicas, ainda que “resguardadas as competências do Executivo Municipal”. A Câmara já começou a debater o projeto de lei, protocolado em 19 de outubro. Na primeira semana em tramitação, já obteve parecer favorável da Procuradoria-Geral do legislativo.
“Trata-se de uma lei aberta, com muitas possibilidades de interpretação, nada muito amarrado. Esses decretos municipais vão ser modificados conforme a conveniência dos gestores municipais. A gente entende que uma lei não é para um governo de quatro anos, é para uma vida. Na prática, não sabemos quem definirá as regras”, argumenta Franciele.
Ela diz haver “certo autoritarismo” da prefeitura e teme a descaracterização das feiras ecológicas. “A gente sabe que, nesse processo, pode haver interesses econômicos e políticos que podem afetar diretamente tanto os agricultores quanto o funcionamento dos espaços, e assim afetar, obviamente, os consumidores também”, afirma.
Outro ponto que desagradou os feirantes diz respeito à inclusão de “atravessadores” nos espaços. A proposta da prefeitura diz que poderão participar das feiras, além dos produtores, comerciantes, individualmente ou através de associações e cooperativas, com obrigatoriedade de apresentar certificado de conformidade orgânica. A inclusão de comerciantes sem ligação à atividade agrícola é vista com preocupação pelos agricultores. A FAE, por exemplo, entende que a presença de pessoas que fazem o papel de atravessadoras, que compram dos produtores por um preço mais baixo e revendem por valores mais elevados, desvirtuará as feiras ecológicas. . “A venda direta do agricultor ao consumidor produz uma aproximação entre campo e cidade. São nessas trocas que a gente vê o espírito da feira. Essa lei abre um precedente muito ruim”, como diz Franciele.
Para a coordenadora do Conselho das Feiras Ecológicas da Capital (CfemPOA), Iliete Citadin, a agroecologia não trata somente do alimento orgânico com selo, mas também das relações que se estabelecem com o público e com a natureza. “A gente discutiu sobre a figura do comerciante, para que se colocasse em outros formatos, como espécies de ‘bolichos’, discutidos pelas comissões de feira, para ter a possibilidade também de bancas com diversidade de produtos, mas sem a imposição que há nessa proposta de legislação”, argumenta.
Iliete afirma haver uma “pressão forte” do governo na Câmara para aprovar a lei rapidamente. “O que está por trás disso? Por que essa pressa? Nós sabemos que um processo democrático é demorado e exige diálogo com a comunidade e com os setores envolvidos. O poder público jogou as regras e impediu um debate aberto. Nós queremos que uma lei seja votada, mas com nossas contribuições e apontamentos”.
A Secretaria de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV), pasta envolvida na elaboração do projeto, diz que os pressupostos de autogestão estão incluídos na proposta, com permanência garantida de todos os atuais feirantes, com possibilidade de sucessão familiar para as bancas – uma pauta antiga do setor. A proposta, diz o governo, tem o objetivo de formalizar características históricas das feiras ecológicas e regulamentar as atividades realizadas nos espaços públicos. Em nota à Matinal, a prefeitura disse que realizou encontros com os feirantes e que as sugestões foram contempladas “Todos os pontos da proposta foram discutidos detalhadamente, observando-se cada sugestão ou questionamento dos presentes que se manifestaram”, informou o governo.
Há, atualmente, seis feiras ecológicas em Porto Alegre, nos bairros Bom Fim, Tristeza, Três Figueiras, Auxiliadora, Petrópolis e São Sebastião.
Saiba mais sobre as Feiras Ecológicas de Porto Alegre
Feira dos Agricultores Ecologistas – FAE
Todos os sábados, das 7h às 13h.
Região Centro: Avenida José Bonifácio, 675 (quadra 1).
Feira Ecológica do Bom Fim
Todos os sábados, das 7h às 13h.
Região Centro: Avenida José Bonifácio, 675 (quadra 2).
Feira Ecológica da Tristeza
Todos os sábados, das 7h às 12h.
Região Sul: Avenida Otto Niemeyer esquina com a Avenida Wenceslau Escobar.
Feira Ecológica Três Figueiras
Todos os sábados, das 7h às 12h30.
Região Leste: Rua Cel. Armando Assis, ao lado da Praça Desembargador La Hire Guerra.
Feira Ecológica Auxiliadora
Todas as terças-feiras, das 7h às 12h.
Região Centro: Travessa Lanceiros Negros (passagem de pedestres entre as ruas Mata Bacelar e a Coronel Bordini).
Feira Ecológica Rômulo Telles
Todos os sábados, das 7h às 12h30.
Região Centro: Rua Rômulo Telles Pessoa, ao lado da Praça André Forster.
Feira Ecológica Park Lindóia
Todos os sábados, das 7h à 12h.
Região Noroeste: Rua Eduardo Maurel Muller (atrás do Boulevard Assis Brasil).
Fale com o repórter: [email protected]