Ensaio | Parêntese

Carlos Mosmann: A crível história das negras da Feitoria do Linho Cânhamo

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Carlos Mosmann: A crível história das negras da Feitoria do Linho Cânhamo Ao começar este texto, estava pensando num título que começaria com “a incrível História”… Fui escrevendo e me dando conta de que era exatamente o contrário. Acho que irão concordar comigo.  Vocês já ouviram falar de um grupo de mulheres negras, escravas, determinante na História do Vale do Sinos e do Rio Grande do Sul? Pois parece ter acontecido. Vou logo dizendo “parece” porque, bem, nossa História está longe de ter sido estudada com a profundidade que merece, né? Especialmente quando se trata da história popular.  Pra não exagerar no autoflagelo, porém, reconheço que as coisas vinham melhorando, já de um bom tempo. Não dá pra esquecer, por exemplo, de Oliveira Silveira, negro nascido em Rosário do Sul, poeta aclamado e referência para o estudo da história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Pois, vejam: pela riqueza do seu legado, inspirou a negra Eliege Moura Alves, mestre em História pela Unisinos, professora em Portão e residente em São Leopoldo, a pesquisar sobre a presença do seu povo na história do Vale do Sinos e publicar o artigo “Uma presença invisível: escravos em terras alemãs (1850 – 1870)”, no livro Diversidade e Políticas Afirmativas: diálogos e intercursos.  Para escrevê-lo, ela escavou fatos anteriores ao período indicado. Entre eles, alguns sobre a famosa (ao menos no Vale do Sinos) Feitoria do Linho Cânhamo.  Esta, segundo aprendíamos nos bancos escolares, era um empreendimento escravista decadente, que não teria dado certo por serem os negros muito preguiçosos. Cheguei a ouvir suposições de que o cânhamo é uma planta da família “canabis” e que isto teria agravado o problema da “indolência” negra. Enfim, da Feitoria teria sobrado apenas um prédio, onde, lá em 1824, foram abrigados os primeiros imigrantes alemães, estes sim, operosos e forjadores de um futuro próspero para o Rio Grande, segundo nossa versão escolar da História.  A professora negra Eliege, no entanto, verificou em documentos da época, que a “decadente” Feitoria tinha um plantel de 321 escravos, segundo informado, em relatório sobre o empreendimento, pelo presidente da Província à época, José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de São Leopoldo.  Uma GM daqueles tempos Descobriu outras coisas bem interessantes mas, antes de irmos a elas, quero me deter um pouquinho mais sobre este número. É que outra professora negra, Leira Salete Teixeira de Souza (por acaso e sorte, minha namorada e companheira), quando estudava História na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, encontrou o artigo da professora Eliege e ficou intrigada. Procurou na obra de Oliveira Silveira algum termo de comparação e verificou que, na mesma época, segundo o texto “O Negro no Rio Grande do Sul”, eram consideradas muito grandes as charqueadas que tivessem mais de 100 escravos, como as de Eugênia Ferreira da Conceição, com 179, ou a do Barão de Buthuy, com 142. Ora, as charqueadas, além das refregas militares com os castelhanos, eram o centro da vida gaúcha. Delas vinha a riqueza de Pelotas e Rio Grande. Foram elas a base econômica e social da Revolução Farroupilha. No […]

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Ao começar este texto, estava pensando num título que começaria com “a incrível História”… Fui escrevendo e me dando conta de que era exatamente o contrário. Acho que irão concordar comigo.  Vocês já ouviram falar de um grupo de mulheres negras, escravas, determinante na História do Vale do Sinos e do Rio Grande do Sul? Pois parece ter acontecido. Vou logo dizendo “parece” porque, bem, nossa História está longe de ter sido estudada com a profundidade que merece, né? Especialmente quando se trata da história popular.  Pra não exagerar no autoflagelo, porém, reconheço que as coisas vinham melhorando, já de um bom tempo. Não dá pra esquecer, por exemplo, de Oliveira Silveira, negro nascido em Rosário do Sul, poeta aclamado e referência para o estudo da história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Pois, vejam: pela riqueza do seu legado, inspirou a negra Eliege Moura Alves, mestre em História pela Unisinos, professora em Portão e residente em São Leopoldo, a pesquisar sobre a presença do seu povo na história do Vale do Sinos e publicar o artigo “Uma presença invisível: escravos em terras alemãs (1850 – 1870)”, no livro Diversidade e Políticas Afirmativas: diálogos e intercursos.  Para escrevê-lo, ela escavou fatos anteriores ao período indicado. Entre eles, alguns sobre a famosa (ao menos no Vale do Sinos) Feitoria do Linho Cânhamo.  Esta, segundo aprendíamos nos bancos escolares, era um empreendimento escravista decadente, que não teria dado certo por serem os negros muito preguiçosos. Cheguei a ouvir suposições de que o cânhamo é uma planta da família “canabis” e que isto teria agravado o problema da “indolência” negra. Enfim, da Feitoria teria sobrado apenas um prédio, onde, lá em 1824, foram abrigados os primeiros imigrantes alemães, estes sim, operosos e forjadores de um futuro próspero para o Rio Grande, segundo nossa versão escolar da História.  A professora negra Eliege, no entanto, verificou em documentos da época, que a “decadente” Feitoria tinha um plantel de 321 escravos, segundo informado, em relatório sobre o empreendimento, pelo presidente da Província à época, José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de São Leopoldo.  Uma GM daqueles tempos Descobriu outras coisas bem interessantes mas, antes de irmos a elas, quero me deter um pouquinho mais sobre este número. É que outra professora negra, Leira Salete Teixeira de Souza (por acaso e sorte, minha namorada e companheira), quando estudava História na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, encontrou o artigo da professora Eliege e ficou intrigada. Procurou na obra de Oliveira Silveira algum termo de comparação e verificou que, na mesma época, segundo o texto “O Negro no Rio Grande do Sul”, eram consideradas muito grandes as charqueadas que tivessem mais de 100 escravos, como as de Eugênia Ferreira da Conceição, com 179, ou a do Barão de Buthuy, com 142. Ora, as charqueadas, além das refregas militares com os castelhanos, eram o centro da vida gaúcha. Delas vinha a riqueza de Pelotas e Rio Grande. Foram elas a base econômica e social da Revolução Farroupilha. No […]

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