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Carlos Mossmann: O pão caseiro de Jefferson Barros

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Carlos Mossmann: O pão caseiro de Jefferson Barros “Meu amor é um riozinho que corre escondido. Aos pés de árvores verdes, ele corre escondido”… De tão singelos, estes versos destoam da imagem de um profissional disputado pelos grandes grupos nacionais da mídia. Mas, sim, são obra do mesmo homem que respondeu pelas páginas de Artes e Espetáculos da revista Veja e foi editor chefe do Jornal da Globo, na emissora dos Marinho.  Os versos (que me cedeu para compor uma canção) fazem pensar é num coração gentil, saudoso de Arroio do Só, lá no interior de Santa Maria da Boca do Monte. Ainda hoje, em 2020, não tem rua asfaltada por lá. Mas havia uma estação ferroviária, nos anos 40, onde trabalhava Afonso Rolino de Barros e onde sua esposa, Izabel Borba Barros, fazia pão caseiro para o único filho, o piá Jefferson.  O celebrado jornalista e intelectual Jefferson Barros, reconhecido pela competência profissional, cultura vasta e textos primorosos na crítica de cinema ou na análise política, gostava de se definir era como filho de um ferroviário e de uma mãe amorosa.  Fui conhecê-lo em 1972, como estagiário de redação no tablóide gaúcho que marcou época pelo jornalismo criativo e pela ousada linha editorial, democrática em tempos de ditadura, a Folha da Manhã, “Folhinha”, da Companhia Jornalística Caldas Júnior. Apresentado ao editor de política internacional, o renomado Jefferson Barros, já no primeiro dia aprendi que o expediente de redação não terminava com o fechamento da edição. Já no primeiro dia, me convidou para jantar e conversar.  A conversa durou anos. As jantas se tornaram hábito, mas não rotina. Um dia era peixe no mercado, no outro picanha, depois rãs, adiante comida árabe… Também íamos à casa dele e também o endereço mudava constantemente. Estável era apenas existência de um quarto só para a biblioteca, onde buscava dezenas de livros para ilustrar nossas discussões e me emprestar para estudo.  Saltava aos olhos sua inquietude. Também vivia trocando de trabalho. De 1972 a 75, se tornou correspondente gaúcho do alternativo Opinião; trabalhou na Veja, em São Paulo; voltou à Folha da Manhã; assumiu a direção do Correio Serrano, tradicional jornal de Ijuí, e criou o Semanário de Informação Política, também de imprensa alternativa. Embora menos evidente, mais importante, para mim, é falar da generosidade que o movia, consciente e cultivada. Reconhecia o poder e a raridade de sua inteligência, ao lado de uma formidável pulsão de vida. E ainda compreendia a diferença e a relação entre estes dois vetores, como fonte de prazer, mas também de conflitos dolorosos. O marxista que prezava o rigor científico e construía raciocínios rigorosos com base no materialismo histórico, buscava também as razões profundas (que não encontrava no mundo do interesse material) de seu compromisso com a classe trabalhadora.  Por que resistia à tentação de se acomodar a um emprego estável e bem remunerado, em algum gigante da nossa comunicação? Por que não adotava um ceticismo conveniente e acompanhava os fatos como se apenas assistisse a um filme estrelado por Jane Fonda? Por que, ao invés disto, sempre […]

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“Meu amor é um riozinho que corre escondido. Aos pés de árvores verdes, ele corre escondido”… De tão singelos, estes versos destoam da imagem de um profissional disputado pelos grandes grupos nacionais da mídia. Mas, sim, são obra do mesmo homem que respondeu pelas páginas de Artes e Espetáculos da revista Veja e foi editor chefe do Jornal da Globo, na emissora dos Marinho.  Os versos (que me cedeu para compor uma canção) fazem pensar é num coração gentil, saudoso de Arroio do Só, lá no interior de Santa Maria da Boca do Monte. Ainda hoje, em 2020, não tem rua asfaltada por lá. Mas havia uma estação ferroviária, nos anos 40, onde trabalhava Afonso Rolino de Barros e onde sua esposa, Izabel Borba Barros, fazia pão caseiro para o único filho, o piá Jefferson.  O celebrado jornalista e intelectual Jefferson Barros, reconhecido pela competência profissional, cultura vasta e textos primorosos na crítica de cinema ou na análise política, gostava de se definir era como filho de um ferroviário e de uma mãe amorosa.  Fui conhecê-lo em 1972, como estagiário de redação no tablóide gaúcho que marcou época pelo jornalismo criativo e pela ousada linha editorial, democrática em tempos de ditadura, a Folha da Manhã, “Folhinha”, da Companhia Jornalística Caldas Júnior. Apresentado ao editor de política internacional, o renomado Jefferson Barros, já no primeiro dia aprendi que o expediente de redação não terminava com o fechamento da edição. Já no primeiro dia, me convidou para jantar e conversar.  A conversa durou anos. As jantas se tornaram hábito, mas não rotina. Um dia era peixe no mercado, no outro picanha, depois rãs, adiante comida árabe… Também íamos à casa dele e também o endereço mudava constantemente. Estável era apenas existência de um quarto só para a biblioteca, onde buscava dezenas de livros para ilustrar nossas discussões e me emprestar para estudo.  Saltava aos olhos sua inquietude. Também vivia trocando de trabalho. De 1972 a 75, se tornou correspondente gaúcho do alternativo Opinião; trabalhou na Veja, em São Paulo; voltou à Folha da Manhã; assumiu a direção do Correio Serrano, tradicional jornal de Ijuí, e criou o Semanário de Informação Política, também de imprensa alternativa. Embora menos evidente, mais importante, para mim, é falar da generosidade que o movia, consciente e cultivada. Reconhecia o poder e a raridade de sua inteligência, ao lado de uma formidável pulsão de vida. E ainda compreendia a diferença e a relação entre estes dois vetores, como fonte de prazer, mas também de conflitos dolorosos. O marxista que prezava o rigor científico e construía raciocínios rigorosos com base no materialismo histórico, buscava também as razões profundas (que não encontrava no mundo do interesse material) de seu compromisso com a classe trabalhadora.  Por que resistia à tentação de se acomodar a um emprego estável e bem remunerado, em algum gigante da nossa comunicação? Por que não adotava um ceticismo conveniente e acompanhava os fatos como se apenas assistisse a um filme estrelado por Jane Fonda? Por que, ao invés disto, sempre […]

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