Ensaio | Parêntese

Cícero Gomes Dias: Um vírus em disseminação

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Cícero Gomes Dias: Um vírus em disseminação Um vírus em disseminação. Seu comportamento não é bem conhecido, não há tratamento e os casos de doença e morte se acumulam. Nemesis, livro de Philip Roth, conta essa história, um surto de poliomielite que devasta a cidade de Newark, no estado de Nova Jersey, no verão de 1944. Ninguém sabe bem o que fazer, as famílias assistem apreensivas e impotentes a marcha da doença, enquanto ouvem as sirenes das ambulâncias cruzando as ruas desertas, à noite.  A paralisia de membros, muitas vezes vista em crianças, é uma forma grave da doença, mas pode ser ainda pior quando os nervos que controlam os músculos encarregados da ventilação são afetados. Quando isso acontecia, o destino era a condenação a uma vida no pulmão de aço, ou a morte.  O livro de Roth foi lançado em 2010, sendo um de seus últimos trabalhos. É sombrio e impiedoso, como uma tragédia grega. Nêmesis é a divindade grega, encarregada de punir os homens pela arrogância diante dos deuses. O protagonista do livro é Eugene “Bucky” Cantor, um jovem professor de educação física, que coordena um centro de esportes para crianças em Weequahic, distrito judeu de Newark. Bucky gostaria de estar na guerra, combatendo na Europa ou no Pacífico, mas uma forte miopia impediu seu aproveitamento pelo exército americano. Assim, Bucky limita-se a coordenar garotos em lides esportivas. Mas faz isso com grande empenho, entende que manter as crianças saudáveis é importante para combater o surto e prepará-las para a vida. Ótimo atleta, é um homem corajoso e gentil, sendo respeitado e admirado pela garotada e seus pais. Mas o clima de incerteza cresce junto com a epidemia, e o professor Cantor começa a viver seus dilemas pessoais. Sua namorada, Marcia, também professora, está em segurança nas montanhas participando de atividades em uma colônia de férias para crianças, um local livre da poliomielite. Marcia insiste para que Bucky deixe Weequahic e seu trabalho e assuma um cargo na segura colônia de férias. Bem, vou parar por aqui para não seguir uma trilha de spoilers. Mas advirto: o que se segue no livro não é uma comédia romântica. Os pontos comuns entre a epidemia descrita por Roth e a pandemia de COVID-19 podem ser reconhecidos com facilidade. A incerteza é a marca, assim como foi em relação ao surgimento da AIDS, do Ebola e da doença causada pelo vírus Zika, entre outros. Não se sabe o comportamento do agente e, num primeiro momento, buscamos comparações com outros agentes infecciosos e as doenças causadas por eles. O desconhecido nos joga na direção de medidas exageradas. Buscamos entender a ação do agente da COVID-19 pelo que conhecemos sobre SARS e MERS, mas as comparações são imperfeitas e não trazem todas as respostas. No romance, um homem destruído pela morte de seu filho busca explicações para o contágio. Acaba concluindo que o vírus foi transmitido por uma brisa fria que chegou ao entardecer de um dia muito quente. Em 1944 fake news eram transmitidas em conversas entre as pessoas, […]

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Um vírus em disseminação. Seu comportamento não é bem conhecido, não há tratamento e os casos de doença e morte se acumulam. Nemesis, livro de Philip Roth, conta essa história, um surto de poliomielite que devasta a cidade de Newark, no estado de Nova Jersey, no verão de 1944. Ninguém sabe bem o que fazer, as famílias assistem apreensivas e impotentes a marcha da doença, enquanto ouvem as sirenes das ambulâncias cruzando as ruas desertas, à noite.  A paralisia de membros, muitas vezes vista em crianças, é uma forma grave da doença, mas pode ser ainda pior quando os nervos que controlam os músculos encarregados da ventilação são afetados. Quando isso acontecia, o destino era a condenação a uma vida no pulmão de aço, ou a morte.  O livro de Roth foi lançado em 2010, sendo um de seus últimos trabalhos. É sombrio e impiedoso, como uma tragédia grega. Nêmesis é a divindade grega, encarregada de punir os homens pela arrogância diante dos deuses. O protagonista do livro é Eugene “Bucky” Cantor, um jovem professor de educação física, que coordena um centro de esportes para crianças em Weequahic, distrito judeu de Newark. Bucky gostaria de estar na guerra, combatendo na Europa ou no Pacífico, mas uma forte miopia impediu seu aproveitamento pelo exército americano. Assim, Bucky limita-se a coordenar garotos em lides esportivas. Mas faz isso com grande empenho, entende que manter as crianças saudáveis é importante para combater o surto e prepará-las para a vida. Ótimo atleta, é um homem corajoso e gentil, sendo respeitado e admirado pela garotada e seus pais. Mas o clima de incerteza cresce junto com a epidemia, e o professor Cantor começa a viver seus dilemas pessoais. Sua namorada, Marcia, também professora, está em segurança nas montanhas participando de atividades em uma colônia de férias para crianças, um local livre da poliomielite. Marcia insiste para que Bucky deixe Weequahic e seu trabalho e assuma um cargo na segura colônia de férias. Bem, vou parar por aqui para não seguir uma trilha de spoilers. Mas advirto: o que se segue no livro não é uma comédia romântica. Os pontos comuns entre a epidemia descrita por Roth e a pandemia de COVID-19 podem ser reconhecidos com facilidade. A incerteza é a marca, assim como foi em relação ao surgimento da AIDS, do Ebola e da doença causada pelo vírus Zika, entre outros. Não se sabe o comportamento do agente e, num primeiro momento, buscamos comparações com outros agentes infecciosos e as doenças causadas por eles. O desconhecido nos joga na direção de medidas exageradas. Buscamos entender a ação do agente da COVID-19 pelo que conhecemos sobre SARS e MERS, mas as comparações são imperfeitas e não trazem todas as respostas. No romance, um homem destruído pela morte de seu filho busca explicações para o contágio. Acaba concluindo que o vírus foi transmitido por uma brisa fria que chegou ao entardecer de um dia muito quente. Em 1944 fake news eram transmitidas em conversas entre as pessoas, […]

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