Crônica

Aqui na gringa #11

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Aqui na gringa #11 Foto: O Globo

A escola brasileira, especialmente nos anos finais – do 7º ano do Fundamental em diante, até o fim do Ensino Médio –, tem fama de ser desinteressante, de espantar alunos, em particular os alunos de baixa renda, periféricos, etc., que não veem na aula um lugar interessante. A fama é merecida. 

Porque a escola brasileira prepara para o vestibular, como se sabe, e não para o trabalho ou para outras coisas, como a ciência, a pesquisa, nem para carreiras artísticas e humanísticas. A escola brasileira tem ainda o vício de ser enciclopédica: o camarada precisa aprender um monte de coisas de tudo que é área, na maior parte das vezes em abstrato – Química, mas não a química da vida; Literatura, mas não a literatura como ferramenta para entender a vida; Português e Inglês, mas não como línguas a serem usadas ativamente. Sempre o foco é ensinar a passar no vestibular e, agora, no ENEM (também chamado de ENEN, com esse N analfabeto no fim, como escreveu o ínclito senador da república Sérgio Moro). 

Bom, e aqui na Gringa? Estou aqui com uma filha no 8º ano e um filho no penúltimo ano do Médio. Escola pública e gratuita. Mas pública em cidade rica, com amplo orçamento para educação. 

(Rico eu quero dizer assim: na escola do Ensino Médio, os campos de prática esportiva, sem ir mais longe, são muito melhores do que os que a UFRGS oferece no curso de Educação Física. E a escola do Fundamental tem piscina térmica. Rico quer dizer que alcança um laptop tri para cada aluno assim que se matricula; ao final do ano, a máquina é devolvida para a escola. É para uso na escola e em casa, só para tarefas escolares.) 

De forma que tenho visto na prática coisas interessantes neste campo. Ao lado de uma ou outra desinteressante.

Avaliando o currículo escolar do Benjamim, para fazer sua matrícula quando aqui chegamos, a professora conselheira dele determinou que ele não devia cursar mais Química, Física ou Biologia, porque o que ele tinha feito no Brasil, até a metade do segundo ano, era já carga horária suficiente nos três campos. No Brasil, ele continuaria tendo essas disciplinas até o final do terceiro ano, entupindo os miolos com coisas que, a não ser que ele fosse para uma dessas áreas de especialidade, nunca mais precisaria conhecer. 

Em compensação, conforme seu interesse (a matrícula é como na universidade, por curso escolhido pelo aluno), ele tem dois cursos de História (uma mundial, outra norte-americana), um curso de Filosofia, um de Inglês (nunca estudou nada de gramática explícita, me disse), um de Geometria e um de Genética, além de uma Educação Física. Aulas das 8h20 até 15h20, de segunda a sexta. (Com um almoço muito ruim no bar do colégio.) E ônibus de graça entre a casa e a escola. 

A Dora, no 8º ano, tem muitas disciplinas, algumas das quais claramente interessantes, quer dizer, capazes de despertar interesse. Por exemplo: Jornalismo Investigativo. Estudam reportagens, estudam como se faz entrevista, discutem notícias. Poderia perfeitamente ser parte de um curso de Língua materna, mas olha só que se chama Jornalismo Investigativo. Coisa legal. 

Tem uma chamada Public Speak, tipo Fala Pública. Aprendem a falar em público, expondo um argumento, mostrando os resultados de um trabalho. Aprendem a estruturar uma fala em público. Sensacional, convenhamos.

Claro que isso tudo depende de ter professores para essas várias coisas – e isso não parece ser problema. Pelo que consegui ver, tem gente pra tudo, com tempo adequado de preparação, salário provavelmente decente. 

Mas aí tem o outro lado. A Dora contou escandalizada que, na aula de Marketing, eles estão estudando a história de uma marca, não lembro qual. Tipo estudar a lógica do mercado, mas pelo jeito uma coisa sem muita crítica. E ela observou que na turma dela um colega não sabia que o Brasil ficava na América. Sim, na América, essa que os estadunidenses privatizam como se não houvesse nada além deles, só uns cucarachos que cortam a grama e limpam as folhas que caem na rua, neste outono no Hemisfério Norte. 

Quer dizer: os caras realmente são preparados para entender o que estão estudando, com muita dose de vida real, sem enciclopedismo, tendo em vista as carreiras futuras – esqueci de dizer, mas eles têm possibilidade de, já na Highschool, fazer cursos que valem créditos para curso superior. Sim, senhor. 

Mas não sabem onde fica o Brasil, a tal oitava economia do mundo, a segunda das Américas, etcétera e tal. 

** A ilustra: foto que foi publicada por O Globo, em 2011, como tendo sido feita no no Museu de História Natural de Nova York por uma visitante brasileira, que se espantou com o tamanho da Amazônia, que engoliu Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e outros contextos. 


Luís Augusto Fischer é escritor, professor do Instituto de Letras da UFRGS e fundador da revista Parêntese. Atualmente, está passando um semestre como professor convidado em Princeton, USA. Seu mais recente livro é A ideologia modernista: a Semana de 22 e sua consagração (Todavia).

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