Crônica

Aqui na gringa #5

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Aqui na gringa #5

Sendo brasileiros, a gente tem uma sensação de que a história foi ontem, começou ontem. Um prédio de cem anos já é de uma velhice insuportável. Porto Alegre esses dias completou 250 anos, não foi?

Borges dizia que, ao contrário do que pode parecer, só nós, americanos, é que temos história, ao contrário dos europeus. E por quê? Porque, dizia ele, nós é que temos acesso ao passado diretamente – um avô nosso esteve nas guerras de independência, dizia. Era uma boutade, claro, mas essa ideia dava uma linda sensação de experimentar a duração, a espessura do tempo. 

O ponto é que temos a sensação de que nossa história começou ainda esses dias. Sensação agravada pela ação de gente como os Melnick e os Zaffari, com seu projeto monstruoso de um arranha-céu, ou tapa-céu, na Duque. Fora, malas!

Aqui na gringa esse tema me retorna com mais força. A região em que estou vivendo tem pouco mais de idade que a região de Porto Alegre. Antes dos brancos aqui tinha os Lenape, e em Porto Alegre tinha gente tupi-guarani – sei que é imprecisa essa designação, e é bem possível que houvesse também gente como os kaingang e os pampa. Mas tu entendeu…

Brancos aqui se estabeleceram em 1680, mas a coisa arrancou mesmo foi em 1720 e tal. Em Porto Alegre terão passado alguns brancos, bandeirantes e tals, ainda no século 17, mas a primeira sesmaria concedida acho que foi a do Jerônimo de Ornellas, ali em 1730 e pedrinhas. 

A cidade aqui tem menos de 30 mil habitantes, ao passo que Porto Alegre é um monstro de 1,4 milhão de almas, e mais de 4 milhões na Grande Porto Alegre. 

Na universidade, que é do século 18, tem prédios que parecem ter nascido 300 anos atrás, ou mais. Olha estas imagens abaixo: este é o East Pyne Hall, onde se localizam os departamentos de línguas estrangeiras, incluindo o Português. O prédio tem a cara de ser uma parte de Hogwarths, e dá a sensação de que o Harry Potter vai sair de uma das portas a qualquer hora. Mas não: o prédio é do finalzinho do século 19 – e seu arquiteto, olha só, se chamou William Appleton Potter. 

Foto: Arquivo pessoal

Por que os caras fizeram esse prédio imitando o gótico inglês? O equivalente porto-alegrense seria, por exemplo, o prédio da antiga Engenharia da UFRGS, que é de 1898; mas este, da Engenharia, foi construído com a dicção arquitetônica daquele momento, não em imitação de um tempo passado. 

Será que tem a ver com a metrópole respectiva, a deles e a nossa? A deles era muito mais poderosa que a nossa, e teve universidade forte desde muito antes de Portugal, um país conservador, com um catolicismo pesado que apenas poucas décadas atrás é que de fato saiu de cena (com a Revolução dos Cravos, que derrubou aquela mala do Salazar, em 1974). 

Reflexões atropeladas e ligeiramente irresponsáveis.

E afinal tu sabe quantas pessoas trabalham no Vaticano?


Luís Augusto Fischer é escritor, professor do Instituto de Letras da UFRGS e fundador da revista Parêntese. Atualmente, está passando um semestre como professor convidado em Princeton, USA. Seu mais recente livro é A ideologia modernista: a Semana de 22 e sua consagração (Todavia).

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