As coisas que aprendi nos discos
Até os seis anos eu achava que minha mãe era Elis Regina.
Explico: eu sempre a ouvia cantar Fascinação como se fosse um ritual sério. Ela conduzia um respirar diferente, entonava cada nota, com exatidão de diamante. Deduzi – dada a minha imensa inteligência e exuberante perspicácia – que a cantora que eu ouvira na fita cassete era, por óbvio, ela mesma. Entre um movimento e outro, ela devia escapar para fazer seus shows. Se os músicos eram seres humanos, era razoável concluir que aqueles que prendem a roupa no varal possam, de vez em quando, subir ao palco.
Minha indústria cultural era democrática, porque era minha. Naquela época havia a classe média baixa. E as crianças desse grupo não sonhavam com a fama dos likes, das views e do sonho. Fantasiar o que os artistas tinham ou faziam não era exatamente fácil. Tínhamos acesso a quem eles eram por uma parte muito pequena da vitrine. Nossos sonhos de consumo eram de rápida descrição: uma lamborghini, que vimos estampada em uma das cartas do Super-trunfo; uma casa com piscina, que observávamos, à distância, quando saíamos da escola e o carro do proprietário manobrava para adentrar a garagem. A riqueza era um acontecimento impossível. E a fama, se viesse, viria com coisas que não conhecíamos ao certo, porque havia um sentimento de profunda diferença entre o que éramos e aquilo que os ricos eram.
[Continua...]