Crônica

Autocancelamento

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Autocancelamento Não sei bem como começar esse texto. Aliás, é um texto? Um conto? Uma divagação? Uma crônica. Ah, é um desnudar-se textual. Tudo isso? Nada disso? Um pouco disso? Acho que não vou escrever mais. Ou vou. Esse texto é uma reflexão sobre o paradoxo que é viver em mundo plural-polarizado, um mundo virtualmente binário (pela sua linguagem de programação) e analogicamente binário (pela sua linguagem de expressão). Entre lá e cá, não há. Um mundo tão desafiador, tão cheio de oportunidades e oportunistas, tanto vazio a preencher, vazios imensos cheios de razões vazias, tanto o que julgar, tanto a ser julgado. A palavra da moda (ah, a volátil, sedutora e implacável moda) chama-se CANCELAMENTO, assim, em caixa alta, para não deixar pedra sobre pedra. Aliás, trata-se de um julgamento voraz, e não se deixa pedra sobre pedra porque trata-se de apedrejar e apagar em praça pública aqueles que cometeram, em muitos casos, o pecado de ser humanos, e diga-se de passagem, humanos são pecadores natos. Pecadores pecando condenando pecadores. Daí, pensando cá com meus botões do teclado do computador, vem uma reflexão interna que decidi compartilhar aqui, pois acho que muitos leitores vão sentar-se no colo desse meu texto e sentirão um afago diante dele, uma identificação projetiva saudável, nada fantasiosa, uma não ficção necessária à ficção que se vive para e com os outros, conectados em suas vitrines particulares oferecendo o seu melhor em busca de aprovação até serem humanos, e daí, CANCELADOS. Mas nesse fluxo de consciência que deixo transbordar da minha tela para a sua tela, antecipo-me, paro um pouco e penso: não vou mais escrever. Não vou expor nada, tudo até aqui, lixo. Delete-se. Deletaria-o como preservação, como premonição segura de ser descoberto humano. De ser CANCELADO. Ah, você continua aqui lendo? Ainda não me CANCELOU? Obrigado. Sigo na minha coragem, um pouco amedrontado, mas em frente. Uma meta para 2021: lutar não contra um CANCELAMENTO, mas contra um temor ainda mais destrutivo e paralisante: o AUTOCANCELAMENTO. O que é isso? Isso existe? Mais uma moda? Uma moda transmutada? Não, é algo tão velho quanto o apedrejamento em praça pública, só que ocorre no íntimo de cada um, cada um sendo réu, advogado, juiz e condenado, sempre condenado. A sentença? Pare. Delete. Esqueça. Isso não é para você. Pior, os outros não merecem isso. Como é que é? É aquele conjunto de pensamentos que te impedem, de como eu agora, (olha lá, eu estou conseguindo), produzir, por exemplo, um texto. Texto? Conto? Tudo isso? Nada disso? Rotule-me! Julgue-me! Historicamente boa parte dos criativos (artistas, cientistas, filósofos) que realmente produziram obras relevantes e dignas de aplauso venceram a barreira do AUTOCANCELAMENTO, mesmo sendo muitos CANCELADOS em vida, pagando, aliás com a própria vida, um CANCELAMENTO irreversível (ao menos era o que se pensava), pois o objeto outrora CANCELADO, seja a figura humana, seus pensamentos ou o conjunto da obra torna-se um objeto, um conjunto VENERADO, até que o pêndulo da existência, quem sabe, o CANCELE e […]

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Não sei bem como começar esse texto. Aliás, é um texto? Um conto? Uma divagação? Uma crônica. Ah, é um desnudar-se textual. Tudo isso? Nada disso? Um pouco disso? Acho que não vou escrever mais. Ou vou. Esse texto é uma reflexão sobre o paradoxo que é viver em mundo plural-polarizado, um mundo virtualmente binário (pela sua linguagem de programação) e analogicamente binário (pela sua linguagem de expressão). Entre lá e cá, não há. Um mundo tão desafiador, tão cheio de oportunidades e oportunistas, tanto vazio a preencher, vazios imensos cheios de razões vazias, tanto o que julgar, tanto a ser julgado. A palavra da moda (ah, a volátil, sedutora e implacável moda) chama-se CANCELAMENTO, assim, em caixa alta, para não deixar pedra sobre pedra. Aliás, trata-se de um julgamento voraz, e não se deixa pedra sobre pedra porque trata-se de apedrejar e apagar em praça pública aqueles que cometeram, em muitos casos, o pecado de ser humanos, e diga-se de passagem, humanos são pecadores natos. Pecadores pecando condenando pecadores. Daí, pensando cá com meus botões do teclado do computador, vem uma reflexão interna que decidi compartilhar aqui, pois acho que muitos leitores vão sentar-se no colo desse meu texto e sentirão um afago diante dele, uma identificação projetiva saudável, nada fantasiosa, uma não ficção necessária à ficção que se vive para e com os outros, conectados em suas vitrines particulares oferecendo o seu melhor em busca de aprovação até serem humanos, e daí, CANCELADOS. Mas nesse fluxo de consciência que deixo transbordar da minha tela para a sua tela, antecipo-me, paro um pouco e penso: não vou mais escrever. Não vou expor nada, tudo até aqui, lixo. Delete-se. Deletaria-o como preservação, como premonição segura de ser descoberto humano. De ser CANCELADO. Ah, você continua aqui lendo? Ainda não me CANCELOU? Obrigado. Sigo na minha coragem, um pouco amedrontado, mas em frente. Uma meta para 2021: lutar não contra um CANCELAMENTO, mas contra um temor ainda mais destrutivo e paralisante: o AUTOCANCELAMENTO. O que é isso? Isso existe? Mais uma moda? Uma moda transmutada? Não, é algo tão velho quanto o apedrejamento em praça pública, só que ocorre no íntimo de cada um, cada um sendo réu, advogado, juiz e condenado, sempre condenado. A sentença? Pare. Delete. Esqueça. Isso não é para você. Pior, os outros não merecem isso. Como é que é? É aquele conjunto de pensamentos que te impedem, de como eu agora, (olha lá, eu estou conseguindo), produzir, por exemplo, um texto. Texto? Conto? Tudo isso? Nada disso? Rotule-me! Julgue-me! Historicamente boa parte dos criativos (artistas, cientistas, filósofos) que realmente produziram obras relevantes e dignas de aplauso venceram a barreira do AUTOCANCELAMENTO, mesmo sendo muitos CANCELADOS em vida, pagando, aliás com a própria vida, um CANCELAMENTO irreversível (ao menos era o que se pensava), pois o objeto outrora CANCELADO, seja a figura humana, seus pensamentos ou o conjunto da obra torna-se um objeto, um conjunto VENERADO, até que o pêndulo da existência, quem sabe, o CANCELE e […]

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