Crônica

Uma caminhada pelas letras petropolitanas

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Uma caminhada pelas letras petropolitanas Foto: Breno Serafini

O início da tarde do primeiro sábado de outono do ano (23/03), ensolarado e com uma leve brisa, reuniu cerca de 80 pessoas na praça Mafalda Verissimo, no coração do bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Era a quarta edição das Caminhadas Literárias de Petrópolis, organizada pelo movimento @salvedyonélio, que busca preservar a memória do escritor e psiquiatra quaraiense Dyonélio Machado. 

Iniciada ao som de tambor e saxofone e com algumas falas dos organizadores, dentre eles Jonas Dornelles, pesquisador da obra do autor que conseguiu a proeza de fazer com que a residência habitada pelo escritor passasse a ser considerada patrimônio cultural de Porto Alegre, o primeiro ponto de visitação foi justamente a casa de Dyonélio, na rua Souza Doca.  

No local, hoje uma construção abandonada, onde teria escrito Desolação (1944) e Passos Perdidos (1946), assim como iniciado o projeto de Deuses Econômicos (1966), foi reproduzida a gravação original, tocada na flauta transversal pelo próprio escritor, de Chanson Triste, de Tchaikovsky, o que permitiu aos presentes vivenciarem, por alguns minutos, o que seria à época, nos anos 1950, passarem pela residência e ouvirem a performance.

O passo seguinte foi a visita à casa do escritor cruzaltense Érico Verissimo, na rua Felipe de Oliveira (atualmente ocupada por seu filho, Luis Fernando), quando, para surpresa de todos, diante do ajuntamento, fizeram-se presentes Dona Lúcia Verissimo e Fernanda, respectivamente esposa e filha do grande cronista.

Casa de Erico Verissimo. Foto: Breno Serafini
Lúcia e Fernanda Verissimo. Foto: Breno Serafini

Num bate-papo informal, interrompido por muitas fotos, Lúcia contou histórias do bairro, quando não existiam grades, e citou figuras influentes da cultura e das artes que habitaram a vizinhança. Carioca de nascimento, numa pequena confidência, revelou que foi trazida a Porto Alegre pelo marido com a promessa de que fosse apenas um ano, o que durou até hoje. Além disso, fez questão de esclarecer, para evitar fake news, que a rua que tem o seu nome no bairro (Dona Lúcia) não é em sua homenagem.

Seguindo a caminhada pelo arborizado bairro, o próximo ponto de interesse foi a rua Borges do Canto, esquina com a Ferreira Vianna, hoje um edifício, local onde morou outro quaraiense, escritor e psicanalista, Cyro Martins. A casa, segundo Lucia Verissimo, originalmente pertencente ao próprio Érico, foi vendida por ele a Cyro. Construído há menos de 10 anos, o atual prédio ocupa o lugar do que teria sido um casarão na cor azul, uma das principais belezas do bairro, segundo alguns, o que, infelizmente, até então não tinha sido recuperado em registro fotográfico*

Com parada técnica em um armazém para a devida hidratação, a trupe seguiu até o quarto local de visita, um pouco mais distante, na rua Rivera, residência do jeronimense Josué Guimarães, onde o autor teria escrito Camilo Mortágua.

Recebidos gentilmente pela atual proprietária, ela revelou que, na época da compra, o imóvel estava em leilão, completamente depauperado, o que exigiu dela uma reforma total no seu interior, mantendo, no entanto, o frontispício da casa com poucas alterações. Informou ainda que o local, quando habitado pelo escritor, foi sede do Instituto Estadual do Livro. Como complemento, os organizadores da caminhada revelaram que o dia do passeio era justamente o 38º aniversário de morte do escritor.

E assim, às 17h, nas escadarias da última residência visitada, de novo ao som de tambor e saxofone, foi lida uma declamação que perguntava, ao final, se ainda estariam sendo entoados os tambores silenciosos…  

Antiga casa de Cyro Machado. Hoje há um prédio no local. Foto: Google Street View

*O mais curioso é que, pós caminhada, devido ao comentário, uma colaboradora obteve, via Google Earth, um registro da edificação. Para surpresa de todos, provando o quanto a memória precisa de registro objetivo, uma das propostas do movimento @salvedyonelio, a casa azul era outra, a de Cyro, pasmem, era amarela.


Breno Serafini é doutor em Letras pela UFRGS e autor dos livros Mosaico Laico (CBJE, 2010), Geração Pixel (Edições do Autor, 2012), Millôres Dias Virão (Libretos, 2013), Picassos Falsos (Buqui, 2014), Bichos de Todos os Reinos (Edições do Autor, 2015 – ilustrado por Moa); Colloríssimo – a coroação e o destronamento de Collor segundo Verissimo (AGE, 2016); e POAlaroides urbanas – uma ode visupoética a Porto Alegre (Editora Parangolé, 2022).

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