Crônica

Batuqueira

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Batuqueira Eu consultei a batuqueira, né, porque achei que as coisas não tavam assim, indo. Eu podia ter consultado o Pai Henrique, que fui um dia lá na Bonja em Porto Alegre, mas eu queria uma pessoa nova, porque o Pai Henrique ele basicamente elogiou muito meus olhos e disse que tinha muita inveja em cima de mim, eu saí com aquela sensação de que na real a viada queria meus olhos, que “são belos olhos”, que “mudam de cor por conta própria”, como ele dizia entre uma carta e outra, isso é verdade, ricos dos olhos, fora que, junto com as mãos, são meu instrumento de trabalho, né, meu trabalho é ler e escrever. Então partiu batuqueira nova. Ela ia jogar búzios, e disse assim, que não era como carta, que tu abre e ali tá tudo dito, ela precisava de algumas informações, e começou me questionando sobre a minha relação com a religião, explicando a diferença de candomblé, batuque e tal. Eu disse que sou assim, bem amiga de Iemanjá, vou muito no mar. E ela foi me apertando, querendo saber como mais eu cultuava, eu disse “Acho que é isso, contato com a natureza, mas não penso muito, assim, sei lá”. E ela jogando búzios. Dali a pouco ela me pergunta se eu tenho o hábito de acender velas. Olha, eu tenho. Eu tenho um kit de velas cheirosas, tô sempre acendendo vela na real, pra casa ficar cheirosa. Ela perguntou onde, eu disse que acendia em cima da mesa mesmo. Ela deu uma risada. “Tu sabe que se tu não acende num lugar específico, pra alguém específico, tu fica sem a noção de quem vai se atrair por essa luz?”. Eu não sabia. Eu tentei dar uma curva, tipo “Acendo pra mim mesma”, ela colocou a mão na testa, virou pro lado, baixou a cabeça. Então…  Explicou que era importante eu ter uma imagem e acender ali, praquela imagem, e não à toa. Eu pulei da cadeira, “Eu tenho uma imagem de São Jorge!”. Ah, sim, a consulta era on-line. Peguei minha imagem de São Jorge, que minha mãe me deu anos atrás, e mostrei na câmera. Ela baixou a cabeça, fez tipo um “PFFFFFF, Ana…”. É que assim: meu São Jorge me protege mesmo, de verdade, tanto que essa estatueta já se quebrou toda, caiu a cabeça do cavalo, eu colei, quebrou a espada do santo, eu colei, mas ele segue sem braço porque nunca mais achei o braço pra colar. Ela me explicou que eu não devia ter imagem quebrada e remendada em casa. Eu disse: “Olha, até já pensei nisso, mas como que vou jogar São Jorge fora?”. Ela me explicou como fazer e mandou comprar uma nova imagem urgente. Aí ela perguntou se tinha alguém na minha família falecido há pouco a quem eu era muito apegada. Eu disse que recente não, graças a deus, mas meu tio, sim, nós dois éramos muito ligados, mas já fazia 7 anos que ele tinha se […]

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Eu consultei a batuqueira, né, porque achei que as coisas não tavam assim, indo. Eu podia ter consultado o Pai Henrique, que fui um dia lá na Bonja em Porto Alegre, mas eu queria uma pessoa nova, porque o Pai Henrique ele basicamente elogiou muito meus olhos e disse que tinha muita inveja em cima de mim, eu saí com aquela sensação de que na real a viada queria meus olhos, que “são belos olhos”, que “mudam de cor por conta própria”, como ele dizia entre uma carta e outra, isso é verdade, ricos dos olhos, fora que, junto com as mãos, são meu instrumento de trabalho, né, meu trabalho é ler e escrever. Então partiu batuqueira nova. Ela ia jogar búzios, e disse assim, que não era como carta, que tu abre e ali tá tudo dito, ela precisava de algumas informações, e começou me questionando sobre a minha relação com a religião, explicando a diferença de candomblé, batuque e tal. Eu disse que sou assim, bem amiga de Iemanjá, vou muito no mar. E ela foi me apertando, querendo saber como mais eu cultuava, eu disse “Acho que é isso, contato com a natureza, mas não penso muito, assim, sei lá”. E ela jogando búzios. Dali a pouco ela me pergunta se eu tenho o hábito de acender velas. Olha, eu tenho. Eu tenho um kit de velas cheirosas, tô sempre acendendo vela na real, pra casa ficar cheirosa. Ela perguntou onde, eu disse que acendia em cima da mesa mesmo. Ela deu uma risada. “Tu sabe que se tu não acende num lugar específico, pra alguém específico, tu fica sem a noção de quem vai se atrair por essa luz?”. Eu não sabia. Eu tentei dar uma curva, tipo “Acendo pra mim mesma”, ela colocou a mão na testa, virou pro lado, baixou a cabeça. Então…  Explicou que era importante eu ter uma imagem e acender ali, praquela imagem, e não à toa. Eu pulei da cadeira, “Eu tenho uma imagem de São Jorge!”. Ah, sim, a consulta era on-line. Peguei minha imagem de São Jorge, que minha mãe me deu anos atrás, e mostrei na câmera. Ela baixou a cabeça, fez tipo um “PFFFFFF, Ana…”. É que assim: meu São Jorge me protege mesmo, de verdade, tanto que essa estatueta já se quebrou toda, caiu a cabeça do cavalo, eu colei, quebrou a espada do santo, eu colei, mas ele segue sem braço porque nunca mais achei o braço pra colar. Ela me explicou que eu não devia ter imagem quebrada e remendada em casa. Eu disse: “Olha, até já pensei nisso, mas como que vou jogar São Jorge fora?”. Ela me explicou como fazer e mandou comprar uma nova imagem urgente. Aí ela perguntou se tinha alguém na minha família falecido há pouco a quem eu era muito apegada. Eu disse que recente não, graças a deus, mas meu tio, sim, nós dois éramos muito ligados, mas já fazia 7 anos que ele tinha se […]

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