Cartografia de um outono porteño 6: No sé muy bien qué hago acá
Antes mesmo de vir dessa vez, Buenos Aires foi um parêntese que abri nos primeiros meses de 2020, quando voltei de um fim de semana aqui. Foi um trajeto tortuoso do qual lembro do princípio do pânico que nos agarrou naquele março e de um pôr-do-sol visto do Buquebus sobre água marrom. Preenchi os dias estranhos que seguiram trancada em casa, como os que puderam, aprendendo a lidar com a porta fechada e as coisas inconclusas que ficaram do lado de fora. Como desde criança tenho certa dificuldade em terminar as coisas — as brincadeiras, as tarefas e as relações —, e com o trato social de modo geral, pertenço àquela ordem de gente que preocupou terapeutas em relação ao “isolamento social” não pela dificuldade em estar a sós, mas pelo conforto excessivo que isso representou. Veja bem, de repente era imperativo que eu não me expusesse e deixasse um monte de coisas pendentes, um ano letivo que sequer começou.
Por todo o período em que isolar-se era obrigatório, passei, como nas viagens de carro com meus pais na infância, viajando mentalmente para a Argentina e para outros lugares através de conversas pela internet, além de livros, blogs, muitos discos e séries. Escutava sem parar o La grasa de las capitales, do Serú Girán, porque, ao mesmo tempo em que ele pertencia a esse parêntese aberto que eu não podia fechar, me remetia ao tipo de som que meu pai escutava no toca-fita do carro quando viajávamos, nas quais eu abria chaves e colchetes da janela do banco de trás e ia muito mais longe. Não entendia bem por que esse disco me lembrava especialmente daquelas viagens de Fiat, até que fui ler a respeito na internet e descobri que a banda surgiu no período em que Charly García veio ao Brasil. Tudo fez certo sentido, pelo menos na minha cabeça.
[Continua...]