Crônica

Cartografia de um outono porteño 9: Das formas de agarrar o tempo

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Cartografia de um outono porteño 9: Das formas de agarrar o tempo
A história que nos ensinam no colégio normalmente nos dá um tempo. A rigor organiza tudo em períodos, mais ou menos como os dias da semana e o que lhes cabe nessa ordem. Se na segunda-feira temos aula de matemática, geografia e educação física, então segue que na Antiguidade se construíram pirâmides e os assírios penduravam seus algozes empalados como forma de demonstrar o quão temíveis eram. Não fica muito claro o que vem antes do quê, talvez os assírios antes dos egípcios, já que o professor só falou dos egípcios na aula seguinte, uma quinta-feira, no final da tarde, quando eu estava com cólica porque já era aquela época do mês. Queria, desesperadamente, atravessar a avenida Independência e ir eu mesma disparar o sino da Igreja na Nossa Senhora da Conceição, para que faltassem somente quinze minutos para a hora de sairmos.  Meu calendário, o eclesiástico, o escolar e a cronologia adotada pelos manuais escolares de história: todos embolados. Uma vez uma amiga, enquanto estudávamos para uma prova de história, me disse que não conseguia entender como era isso, de que o Estado Absolutista vinha antes da Reforma Protestante. Tive que dizer que o tempo da história era mais embaralhado do que em nossos polígrafos. Em outra situação, ela me abordou preocupada para perguntar se, caso o mundo começasse a acabar “lá do outro lado”, nós íamos ficar sabendo e ter, assim, tempo de nos prepararmos. Era o ano 2000. Estávamos saturadas de fins de mundo, inclusive o fim do ensino médio. Eu, com tanta coisa chegando ao fim, fui parar no consultório de um psiquiatra na Dr. Flores, atravessada por crises de ansiedade que nem entendia direito por que tinha. Ansiosa, chegava na maior parte das vezes muito antes do horário da sessão e ficava sentada na escada do edifício, lendo ou então tentando ouvir qualquer sinal de movimento próximo da porta. Queria que o tempo passasse logo.  Estou pensando a respeito do tempo porque ele é daqueles embaraços com os quais precisamos lidar, nós historiadoras. Escrever e pensar sobre história envolve escrever e pensar sobre o que nos cabe dele, porque esse tempo pronto que nos entregam no colégio é ele próprio produzido por nós. Estamos constantemente nos enfiando debaixo desse carro, saindo todos sujos de graxa. Fernand Braudel, a maior referência para se pensar o tempo na história, escreveu sobre construir modelos teóricos como barcos que soltamos na água e esperamos para ver quando afundam e como. Imagino, ao invés de um barco, talvez um Citroën 2CV como os que vejo estacionados em Almagro, perto de onde estou hospedada. Passamos muito tempo fazendo ajustes nesse tempo, não só para entender como ele funciona, mas sobretudo para que não largue tanta fumaça, aquela que nos deixa muitas vezes confundidos, como minha colega de escola. Estou detida nesse assunto também porque meu tempo aqui está acabando. Preciso retornar para um semestre ainda inconcluso na universidade em que leciono e voltar à minha rotina, que tem outros tempos, de […]

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