Crônica | José Falero

Cavalos, zebras e burros

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Cavalos, zebras e burros

Quando a gente ouve barulho de cascos batendo no chão, logo a gente pensa que um cavalo se aproxima. Jamais nos ocorre que poderia ser uma zebra. O motivo é lógico: temos tendência a imaginar aquilo que já estamos acostumados a ver por aí e, nesse caso, vemos cavalos com maior frequência do que zebras. Pela mesma razão, oito em cada dez pessoas imaginam um martelo quando pedimos para que imaginem alguma ferramenta.

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Quando a gente ouve barulho de cascos batendo no chão, logo a gente pensa que um cavalo se aproxima. Jamais nos ocorre que poderia ser uma zebra. O motivo é lógico: temos tendência a imaginar aquilo que já estamos acostumados a ver por aí e, nesse caso, vemos cavalos com maior frequência do que zebras. Pela mesma razão, oito em cada dez pessoas imaginam um martelo quando pedimos para que imaginem alguma ferramenta.

Mas será que esse senso comum é infalível? Quando o assunto é corrupção, por exemplo, em qual partido político as pessoas costumam pensar primeiro? Bom, vamos analisar os últimos anos rapidamente, para verificar se o senso comum do brasileiro anda batendo com os dados oficiais.

Em 2016, segundo os dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PMDB (hoje MDB, partido do Melo, eleito prefeito de Porto Alegre) aparecia liderando o ranking dos políticos ficha-suja. Em segundo lugar, aparecia o PSDB. Depois, em terceiro, aparecia o PSD, com 184 candidatos incluídos na lista dos inelegíveis. Portanto, os 3 partidos que lideravam o ranking dos políticos ficha-suja eram, do primeiro ao terceiro: PMDB, PSDB e PSD. Em 2017, os partidos com maior número de congressistas sob suspeita eram, do primeiro ao terceiro: PP, PMDB e PT. E os desdobramentos da Lava-Jato mostraram que o PP era o partido com maior número de investigados, embora isso fosse pouco (ou nada) divulgado na época.

Existem outros dados interessantes. Por exemplo, a maior parte dos denunciados na Lava-Jato, em depoimento, dá conta de que os esquemas de corrupção na Petrobras remontam a muito antes de o PT assumir o governo — o que não chega a ser uma surpresa. Mas resta perguntar: por que antigamente, antes dos governos do PT, ninguém era investigado, nem muito menos preso? Aliás, por que a gente nem sequer tomava conhecimento de nada, se a corrupção já estava toda lá?

A verdade é que foi justamente uma série de medidas ao longo dos governos Lula e Dilma que possibilitou, de maneira inédita, todas as investigações que temos acompanhado nos últimos anos. O pessoal da direita chegou a fazer piada com isso — uma piada no nível que lhes é possível. Havendo o Lula tomado boa parte dessas decisões que, no fim, resultaram na prisão dele próprio, os direitistas disseram: “É nisso que dá assinar documentos sem saber ler”. A evidente falta de sentido na narrativa de um suposto líder de quadrilha favorecer investigações sobre essa mesma quadrilha parece escapar ao pessoal da direita. Isso sem falar nos áudios que escancararam a conspiração para tirar a Dilma do poder e “acabar com essa sangria”, isto é, acabar com investigações e prisões de políticos, incluindo políticos do próprio PT.

Abaixo, seguem algumas das medidas dos governos Lula e Dilma que possibilitaram a Lava-Jato (e que fizeram o próprio Lula ir parar atrás das grades, depois que a Operação tornou-se instrumento do “Grande Acordo Nacional”):

— criação da Controladoria-Geral da União (CGU);

— fortalecimento, modernização  e independência da Polícia Federal;

— autonomia do Ministério Público, com o Procurador-Geral da República sendo escolhido pela própria categoria, em votação direta, e não mais por decisão pessoal do presidente da República;

— criação do Portal da Transparência;

— Lei de Acesso à Informação Pública;

— Lei Anticorrupção;

— incremento da atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) no ajuizamento de ações de improbidade e de ressarcimento de valores desviados;

— criação da Super-Receita, que abriu caminho para maior combate às fraudes e à sonegação;

— fortalecimento da atuação do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) no monitoramento de movimentações bancárias atípicas que possam configurar lavagem de dinheiro ou corrupção e enriquecimento ilícito de agentes públicos;

— reestruturação do Conselho de Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o que aperfeiçoou sua atuação no combate a cartéis.

Eu não chegaria a dizer que o PT é um partido imaculado, claro. Mas, para símbolo de corrupção, vamos combinar que existem legendas muito mais apropriadas. Consideremos, também, o contexto: a classe política — em grande parte sem-vergonha e sem escrúpulos, em grande parte formada por  canalhas e bandidos convictos — está unida no combate à esquerda, de modo geral, e ao PT, em particular. Alguma coisa isso deve significar, pelo menos para quem se atreve a pensar.

Por fim, quero retomar o ponto inicial. Quando a gente ouve barulho de cascos batendo no chão, logo a gente pensa que um cavalo se aproxima. Jamais nos ocorre que poderia ser uma zebra. O motivo é lógico: temos tendência a imaginar aquilo que já estamos acostumados a ver por aí e, nesse caso, vemos cavalos com maior frequência do que zebras. Da mesma forma, quando alguém ouve falar em corrupção e imediatamente pensa na esquerda e no PT, isso acontece porque essa pessoa já viu muitas e muitas vezes a esquerda e o PT associados a escândalos de corrupção. Mas como isso pode ser possível, se todos os dados públicos disponíveis mostram claramente que nem a esquerda nem o PT servem como símbolo da corrupção? Onde foi que essa pessoa viu a esquerda e o PT serem associados à corrupção com tanta frequência, a ponto de considerá-los sinônimos?

Deve ser por isso que chamam o jornalismo e os meios de comunicação de massa de “quarto poder”.


José Falero é escritor, autor de Vila Sapo (Venas Abiertas, 2019) e Os Supridores (Todavia, 2020).

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