Crônica

Cuidado: escritores

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Cuidado: escritores
A editora Companhia das Letras teve 28 livros inabilitados para o Prêmio São Paulo 2023, por questões burocráticas. Isso fez com que parte dos escritores Brasil afora comemorasse, por mais incrível que possa parecer. A escritora Micheliny Verunschk foi às redes sociais manifestar o seu mal-estar com os ressentidos do meio literário brasileiro e as suas alegrias perversas. Eu concordo com ela. O meio literário brasileiro é mesmo uma bosta. É tóxico. É um mar de vaidades e outros maus sentimentos. Mas não consigo deixar de me perguntar: por quê? E, para mim, isso tem justamente a ver com a natureza elitista e excludente desse campo de atividade, tal como vem se desenvolvendo ao longo da história. A literatura, no Brasil, na maior parte do tempo cumpre função de distinção: “Veja, eu não sou um João Ninguém, eu não sou qualquer um: eu escrevo livros”. Esse é o espírito evidente de boa parte, talvez a maior parte, das pessoas que se metem a escrever livros no Brasil: no fundo, gostam da ideia de produzir literatura única e exclusivamente porque, dado o país em que vivemos e a história que carregamos como nação, essa prática até agora nunca se tornou popular por aqui. Pois bem: junte uma cambada de gente com essa mentalidade numa mesma esfera de atuação e tu tem a atmosfera venenosa do meio literário brasileiro. Mas nem tudo são espinhos. O slam, que talvez seja o movimento literário mais inclusivo da história — e que, não à toa, é frequentemente desconsiderado ou desqualificado pelas pessoas que fazem “literatura de verdade” no Brasil —, o slam tem um espírito completamente diferente. Os poetas do slam são trabalhadores: muitas vezes chegam na competição recém saídos das fábricas, dos supermercados, dos condomínios onde passaram o dia inteiro trabalhando. Não há nada mais diverso do que o slam: muitas mulheres, muitas pessoas negras, muita gente LGBTQIA+. O resultado disso? Impera no slam um espírito geral de irmandade. Seria um exagero dizer que não há ímpetos competitivos, que não há qualquer desejo de vencer, mas invariavelmente os poetas rivais vibram com as boas notas uns dos outros e lamentam as desclassificações uns dos outros. E para quem está lá, para quem vê de perto, não resta a menor dúvida de que esse comportamento é genuíno, espontâneo. Nunca deixo de me surpreender com o quanto se torna cada vez mais claro que as palavras-chave para os mais variados problemas, nas mais variadas esferas sociais, são “diversidade”, “descentralização”, “popularização”, “inclusão”. E nunca deixo de me surpreender, muito menos, com o quanto somos, no fundo, um povo inclinado a detestar tudo isso. Mas esse espírito muito nosso, essa nossa mania de cultuar a distinção, manifesta-se com diferentes intensidades em diferentes meios, e no universo literário, infelizmente, parece atingir o auge. A literatura não pode continuar a ser uma bolsa Louis Vuitton: precisa se tornar uma capanguinha de tecido com a estampa do Che Guevara, dessas que se acha à venda no chão do Centro. Não pode […]

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