Crônica

Cartografia de um outono porteño 10: Desubicaciones

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Cartografia de um outono porteño 10: Desubicaciones
“Cómo te ubica el primer mate de la mañana, es el cachetazo a mano abierta de un severo padre guaraní”, li uma vez no twitter, e foi o que pensei quando comprei meu último pacote de erva mate Cruz de Malta, de folhas mais grossas. Me invadiu uma melancolia da mais comezinha e sentimental. Quando esse texto estiver sendo lido, já não vou estar em Buenos Aires, mas em Porto Alegre, possivelmente dormindo para me recuperar de ter viajado na sexta-feira, virada. No meu último encontro na oficina literária que faço às segundas, uma das ministrantes demonstrou surpresa que eu já estivesse voltando. Para mim não é tanto “já”, porque foram dois meses em que adentrei uma llanura e me afeiçoei a toda uma fauna da qual terei de me apartar.  A despeito do mate todas as manhãs, sou uma desubicada de modo geral, desde a infância, e isso me perseguiu na minha formação profissional; quando converso com meus pares, quase sempre me perguntam de que área sou, se da história ou das letras. Embora haja muitos historiadores que estudam literatura ou teoria literária, esse trânsito sempre causa espécie, porque desde a Poética de Aristóteles se pressupõe que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mesmo assim, talvez um dos maiores elogios que possamos receber em nossas defesas de teses, como historiadores, é que nossos trabalhos possam ser lidos como um romance.  Em suma, me sinto desubicada mesmo em uma área de estudo que briga com seu próprio lugar. É como estar naqueles banheiros com espelhos dos dois lados e nos enxergamos até não poder mais.  Nos últimos anos, parei de brigar com esse sentimento de deslocamento e talvez um pouco petulantemente reforçá-lo. Decidi me juntar a uma oficina literária trazendo para discussão um texto que se queria um ensaio quase acadêmico, ou seja, já entrei meio torta, um zagueiro improvisado na lateral. Não sabia muito bem o que fazer com aquilo que tinha escrito; não estou acostumada a escrever nada afora textos acadêmicos ou esses ensaios sobre mim mesma, como escrevo na newsletter ou aqui. Leio muitos escritores que quando discorrem sobre sua escrita dizem que não acham sua própria vida digna de material ficcional, que preferem sair dela, e o que sempre me pergunto — como historiadora — é até que ponto isso é possível. Antes de entrar na oficina literária, a Julia, uma das ministrantes, me lembrou que não importava muito o que eu ia escrever, porque, de uma forma ou de outra, as coisas que escrevemos em geral são ficções, mesmo quando sobre nossas próprias vidas, mesmo quando estamos relatando algo que nos aconteceu numa mesa de bar. E sei disso, pois sou da opinião de Betina González, uma dessas escritoras que não escreve autoficção por princípio, mas que diz que “el deseo de otra lengua está ya en el deseo de ser otra, de habitar otro lenguaje, encontrar en él una llave para la puerta cerrada: el permiso para la intervención. […]

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