Crônica

Disputas coloniais

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Disputas coloniais (Foto: Facebook Festa Nacional da Uva)

Toda Festa da Uva tem os Jogos Coloniais, com arremesso de queijo, corrida de carrinho de mão e pisoteamento de uva. Mas a maior disputa entre caxienses ocorre todo fim de tarde, quando os homens se encontram na bodega.

Não é o truco, nem a mora, nem o quatrilho. A competição se dá em palavras.

“Hoje eu acordei às quatro da manhã”, diz o Cinquentenário.

“E eu acordei às três!”, responde o Século XX.

“Mas levantou às cinco!”, retruca o Centenário.

“De que adianta levantar cedo se vocês de tarde ficam fazendo sesta?”, contesta o Millenium.

E de bairro-de-nome-datado em bairro-de-nome-antigo não se chega a conclusão nenhuma sobre quem sofre mais. 

Aí vem a disputa sobre quem é mais italiano. Nunca se viu povo mais italiano do que os descendentes de italiano. Todos sempre dispostos a apresentar o passaporte cor de vinho.

“Minha família chegou aqui em 1875”, diz o Galópolis. 

“A minha chegou em 1874!”, responde o Forqueta.

“E os meus estão aqui desde 1824!”, retruca o Sebástopol.

“Tu não vale, alemão”, contestam os gringos.

E, enquanto esses jogam, o descendente dos povos originários trabalha na colheita.

Outra competição ocorre entre os colonos jovens, nas tardes de domingo. 

“Enchi o tanque de gasolina com o vale-alimentação da firma”, diz o São Pelegras.

“E eu entrei no show de graça, com meu crachá da Vigilância Sanitária”, responde o Belão.

“Melhor fui eu”, retruca o Centrinho. “Levei graspa escondida no bolso e passei a noite inteira sem gastar nada no bar” 

“Quero ver fazer que nem eu”, contesta o Universitário. “Arrumei uma namorada porto-alegrense que me paga o cinema, a janta, o motel e ainda por cima dirige!”

Mas os mais interessantes são os que acham que se livraram dessa mentalidade e enchem a boca de polenta pra dizer que Caxias não é uma micro São Paulo, mas uma macro Santa Lúcia. Os intelectuais que disputam pra saber quem é o menos compreendido e os artistas que competem pra ver quem é o mais ignorado. Os que riem da própria cara dizendo que o maior pavor do caxiense é o ócio. E escrevem poemas satíricos e crônicas satíricas. E depois não entendem por que não ganham o concurso de Rainha da Festa da Uva.


Paulo Damin é tradutor e escritor, autor de Adriano Chupim (Martins Livreiro).

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