Enfia na casa da tua mãe
O mercado vinha suportando bem os mais de 270 mil mortos com o dólar estavelmente alto. Vinha aguentando no osso esses mais de 270 mil mortos com a bolsa de valores de boas, ainda que levando um susto ou outro quando o boca de latrina defecava um absurdo mais absurdo que os habituais.
O mercado nunca balançou com os discursos anticonfinamento, o kit cloroquina e as aglomerações sem máscara e sem miolo promovidas pelo supracitado. Mesmo adivinhando que tudo isso acabaria doendo no seu único ponto sensível, o lucro.
O mercado não se preocupou com a falta de vacinas, mesmo quando se soube que o Brasil teve a oportunidade de comprar milhões de doses para começar a imunização em dezembro de 2020. Não pressionou para o general Pesadello voltar para a caserna, de onde nunca deveria ter saído, nem exigiu um ministro da saúde menos capacho.
O mercado não se importou com gente passando fome, com o desemprego, com a falta de leitos e respiradores. Pelo contrário, o mercado deu uma banana para tudo isso e seguiu impávido, o colosso.
O mercado não se afligiu quando o chanceler chineleou a China – parece um trava-língua, mas é um tranca-ruas. Nem quando a Damares defendeu o retrocesso dos direitos humanos na ONU. Muito menos quando a educação e a cultura foram sucateadas por um bando de fundamentalistas, e por outros que nem sabem o que é fundamentalismo, são só paus mandados mesmo.
O mercado não tomou conhecimento quando começaram a vazar as conversas entre o juiz e os procuradores. Já não tinha dado a mínima nos dias em que a Lava Jato fazia e acontecia. Pelo contrário, ficou até mais forte enquanto as empresas pediam falência e demitiam geral.
O mercado não se abala por pouco, mas não tem sangue de barata. Anular as condenações do Lula, aí já é demais. É brincadeira. Brincanagem. Está tão bom do jeito que está. Tumultuar a essa altura do campeonato para quê, porra? Na casa da tua mãe. Enfia no rabo.
Cláudia Tajes é escritora e roteirista.