Ensaio

A infância sequestrada de Luiz Gama

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A infância sequestrada de Luiz Gama Imagem: reprodução

A escritora e doutora em literatura Conceição Evaristo certa vez disse algo muito forte. Ela disse que se fôssemos erguer um monumento em homenagem aos que foram escravizados pelo comércio de almas na diáspora africana, esta obra deveria ser construída no fundo do oceano Atlântico, para honrar os milhões que lá estão sepultados. Começo este texto dizendo que não há a mais remota possibilidade de uma viagem em um tumbeiro não ser tempestuosa, trágica, pavorosa, amedrontadora, tremendamente turbulenta, intranquila e devoradora de corações e mentes. 

A viagem dos navios negreiros que por quase quatro séculos coalharam as águas que separavam a África das Américas, traçando trilhas de corpos para os tubarões, era assassina. Esta espécie de “tour demoníaca” matava quem estava nos porões, mas não somente. Ela não raramente aniquilava também no convés e até mesmo quem estava na torre de comando. A fome, a insalubridade, a peste, o desespero, a tortura e a morte. O Atlântico é o maior cemitério da humanidade. Sendo assim, a descida aos infernos mais profundos da iniquidade humana não se presta a nenhuma “liberdade poética” que a atenue … especialmente para crianças.

Uma pergunta que urge fazer neste belo, imenso, cruel e desigual país é: quem sempre tem e teve direito à infância? Podemos começar a respondê-la por eliminação, ou seja, quem nunca teve e, todavia, ainda não tem direito de viver plenamente sua meninice, esta fase da vida em que a fantasia povoa as mentes e na qual imaginamos mundos, criamos histórias, damos voz aos animais e temos amigos imaginários. 

São crianças de direito, mas não são de fato todas as meninas e meninos negros que povoam as periferias brasileiras, pois a violência extremada contra esses corpos remete àquela “viagem pelo mar”. Também não são vistas como tal as que não são periféricas, mas que herdaram na cor os estigmas e estereótipos impostos por uma sociedade que desde muito cedo foi ensinada a atribuir à cor negra a condição de subalterna, criminosa ou escravizada. Racismo é algo que mata desde 1500 e mata crianças, pois a maioria que aqui aportou sequestrada não ultrapassava marca da adolescência. 

[Continua...]

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