Ensaio

Artistas, escritores e cientistas em nomes de prédios

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Artistas, escritores e cientistas em nomes de prédios (Foto: aqruivo pessoal)

Cruzar a porta de entrada de seu prédio residencial, e acima dela estar escrito Edifício Albert Einstein, poderia ser um estímulo ao exercício do pensamento racional, um tanto em falta nos tempos atuais, dominados por crenças pessoais que prescindem de argumentação científica. Se acima da porta estiver escrito Edifício Rita Lobato, gaúcha e primeira mulher a se formar em Medicina no Brasil, podemos pensar em um incentivo à decisão de se vacinar, em tempos de campanhas negacionistas. E viver no Residências Montaigne poderia estimular os moradores ao pensamento ético, multiplicando perguntas, ao estilo das escritas deste filósofo, para ajudar a decidir o que é certo e o que é errado na conduta humana, assumida como amplamente variável e contingencial, pouco dada a regras ortodoxas de comportamento. Mas já adianto que a nomeação de prédios residenciais em Porto Alegre pouco se ocupa em homenagear cientistas e filósofos. No caso dos prédios comerciais, há uma discreta presença de tal hábito, como é o caso do Centro Profissional Osvaldo Cruz. Abro este artigo falando de tais profissionais, e citando nomes de prédios que efetivamente existem na cidade, para em seguida deixar claro que não mais falarei deles e delas.

A preferência fica por conta de artistas, em todos os ramos das artes, incluída aqui a literatura. A partir da coleta de nomes, circulando pela cidade e fotografando, é possível afirmar que valem aqui duas regras básicas. A primeira é que, se o artista for estrangeiro (europeu de preferência, e homem, é claro), terá mais chances de ser escolhido para nomear prédios. A segunda regra é que se o artista for gaúcho (e homem, é claro), terá igualmente grandes chances. Ou seja, vivemos em Porto Alegre, no quesito designação de prédios residenciais com nomes de artistas, entre Paris e Alegrete. A Paris de Monet (um dos preferidos, com variações de nome) e a Alegrete de Mário Quintana (outro preferido, também com variações de nomes). 

Modificando um pouco a frase anterior, podemos afirmar que vivemos em Porto Alegre, nesta questão de nomear prédios com artistas, entre Roma (abundância de citação de pintores renascentistas nas portas dos edifícios) e Cruz Alta (abundância de prédios com referência a Érico Veríssimo e seus personagens). Porto Alegre se relaciona diretamente com a Europa, sem passar pelo Brasil, mas sem descuidar do interior do Estado. Esta mistura entre o colonizado e o bairrista já deu azo a muitas teses e dissertações, e na nomeação de prédios ela vige, a comprovar que a coisa virou cânone.

A julgar pelos nomes de imóveis, confirma-se que nosso poeta maior é Mário Quintana, e nosso escritor maior é Érico Veríssimo. Estão homenageados de vários modos. Com abundância em prédios residenciais, mas com forte presença também em prédios comerciais. Há designações como Edifício Quintana, Solar do Poeta, Quintanares, Edifício Mário Quintana, Residencial Quintana, Edifício Érico Veríssimo, Edifício Capitão Rodrigo, Edifício Clarissa, Edifício Ana Terra, e outras que remetem aos dois autores. Mas também encontrei Residencial Josué Guimarães, e Residencial Simões Lopes Neto. O principal articulador da Academia Brasileira de Letras está homenageado em Edifício Machado de Assis, e dele também, na rua do mesmo nome, há referências a algumas de suas obras. Ainda dentre os brasileiros escritores, encontrei Edifício Monteiro Lobato. Não achei Edifício Euclides da Cunha, mas achei Residencial Os Sertões.

Dentre os escritores estrangeiros, achei Solar Hemingway e Residencial Neruda. Também temos Plaza Cervantes, com direito a uma linda ilustração de Dom Quixote na fachada (confira no repositório de fotos indicado ao final do artigo), e Edifício Miguel de Cervantes. Homenageando dramaturgos e atores, achei o Edifício Molière.

É no ramo das artes visuais, e entre pintores, a maior parte das designações. O campeão é Monet. Temos Edifício Monet, e Claude Monet, e Monet Residencial Giverny Garden, e muito mais do mesmo. Outros nomes se repetem com frequência, como Edifício Vincent Van Gogh, Plaza Van Gogh, Ed. Van Gogh, e simplesmente Van Gogh. No caso de Plaza Van Gogh não deixa de ser interessante a combinação, pois Plaza é uma designação da língua espanhola, e Van Gogh um pintor nascido nos Países Baixos, mas que é fortemente associado ao ambiente cultural de Paris. O termo Plaza aparece com frequência seguido de nomes de artistas, como em Plaza Monet. E pela cidade achei Edifícios Matisse, Renoir, Rembrandt, bem como Edifício El Greco, Edifício Ticiano, Edifício Michelangelo, Condomínio Edifício Pablo Picasso. E Condomínio Andrea del Sarto, um pintor da Alta Renascença. Achei também um Solar Ravel, um Edifício Botero e um Debret.



Da Vinci é outro campeão, em Residencial Da Vinci, Ed. Da Vinci, Edifício Leonardo Da Vinci e Centro Profissional do mesmo nome. Em um deles, conforme se pode ver no repositório de fotos, o nome se acompanha de uma placa onde, além da indicação da construtora, está claramente afirmado que o prédio foi batizado de Leonardo da Vinci “em homenagem ao insigne engenheiro, construtor de ideias, homem das ciências, das artes e da cultura”, e tudo isso é coroado por uma bela reprodução do Homem Vitruviano de Da Vinci. No quesito conjugação do nome do artista com ilustração que remete a sua obra penso que o campeão é o Plaza Miró, com uma bonita composição de cores no nome, a lembrar inequivocamente o traço do artista. Achei também Edifício Lasar Segall, pintor de origem judaica, que viveu boa parte de sua carreira no Brasil. No quesito ópera, temos Edifício Carlos Gomes, Solar Di Verdi e Condomínio Residencial Verdi e Amadeus Lounge. E achei um Edifício Johann Sebastian Bach.



Como sempre, não resisto a sugerir, aos incorporadores, designações de prédios, a partir do recorte escolhido. Se poderiam ter lindos nomes derivados dos Contos e Lendas do Sul, com inspiração em Simões Lopes Neto, como Morada Salamanca do Jarau ou Residencial Negrinho do Pastoreio ou Residência do Boitatá. No campo musical, penso que seria lindo morar em Residencial em Dó Maior, ou Moradas Si Bemol, Jazz Plaza, Rock Garden ou Blues Jardins. 

Penso que no mundo das artes visuais, mais do que homenagear pintores ou pintoras, se poderiam batizar prédios com nomes de estilos de pintura, como Residencial Abstrato, Condomínio Cubista, Residência Impressionista, Plaza Simbolista, Surrealista Garden, Rupestre Tower ou Edifício Aquarela (este último existe na cidade).

No campo da ciência reconheço que a empreitada é mais complexa. Para fugir das homenagens a cientistas, evitando que a cidade tenha mais prédios com nomes de pessoas, pois isso já tem demais, teríamos que investir no instrumental ou nas teorizações científicas. O que poderia dar margem a Residências Hipotético-Dedutivas, Moradias Baseadas em Evidências, Pipeta Tower, Golden Proveta Suítes, Vivendas do Funcionalismo, Jardins do Interacionismo Simbólico e Morada do Estruturalismo.

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  • Continuo estimulando que enviem fotos, nomes de prédios, curtas histórias sobre o assunto, ampliando as possibilidades de escrita. De Porto Alegre ou de qualquer outra cidade. Para isso, fica o contato, em [email protected]

Continuo estimulando que enviem fotos, nomes de prédios, curtas histórias sobre o assunto, ampliando as possibilidades de escrita. De Porto Alegre ou de qualquer outra cidade. Para isso, fica o contato, em [email protected]


Fernando Seffner é professor na Faculdade de Educação da UFRGS.

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