Ensaio

Deus é a mão

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Deus é a mão
Mateus Aleluia ou Seu Mateus é roseiro e começa seu show cantando baixinho, mas não baixa a voz, ao contrário, muito pelo contrário, ele dá voz e nos tira do lugar, do perigoso lugar da preguiça das certezas.   Só quando eu vim para esse mundo Eu mostrei minha caraSem marcar bobeiraCantei o meu cantoE fiquei por cáCoisa castiçaCoisa tão bonitaCantei o meu cantoE vi LuandaMeiguice crioulaCrioula meiguiceÉ só Rosa e bastaNasci pra lhe adorarEu que vinha de outras terrasTratando das minhas feridasTrazidas de uma vida aflitaMeus traumas Freud não explicaEu encontrei a RosaE me tornei roseiro(Fogueira Doce acesse aqui) Ele é roseiro talvez por causa de Rosa, sua esposa, mas também poderia ser o roseiro do adjetivo do touro malhado de branco, originário dos Açores; ou o roceiro, o de penetrar nas roças e as devastar, ou o de roçar a terra, de fazer germinar. Poderia ser tudo isso e um tanto mais. Mas, se perguntado, o doutor Honoris causa pela UFRB talvez responda ser apenas um artista, e tudo apenas música. Do Recôncavo Baiano, Seu Mateus é apenas um homem. O homem que ama Rosa. O homem que mostrou sua cara e canta a ancestralidade pan-africana e vê o céu de baixo. O homem dos Ticoãs, da década de 60, o primeiro grupo vocal a expressar, na história da Música Popular Brasileira, a herança cultural (musical e linguística) de diferentes povos africanos. Sua música estabelece estreita relação com o continente africano, em especial Angola, onde viveu duas décadas e realizou pesquisa junto a mestres e mestras da cultura dos povos africanos, compilando diversos saberes.  Retornando ao Brasil, lançou os álbuns Cinco Sentidos, Fogueira Doce e Olorum, que, junto com a obra dos Tincoãs, consubstanciam o legado pan-africano do Brasil. A musicalidade de Seu Mateus parece um longo percurso de desvelamento sobre parte importante da constituição do povo brasileiro, mas não só. Um apenas nunca é um só isso. Capaz de silenciar plateias na voz e violão, ele revisitou histórias muito além do que nos é contado.  O filho de Cachoeira nasceu às margens do Paraguaçu em 1943. Aos olhos de alguns, é um Xamã, um Übermensch; aos seus olhos talvez seja apenas o Roseiro, de qualquer forma nos faz cantar em coro “o amor há de renascer das cinzas”. E é nesse “apenas” que habita, ao meu ver, a maior das subversões e encantamentos do Mestre Mateus. Quando recebeu o título honoris causa, em maio de um 2022, disse: “Transformaram-me, nasci novamente. A vida é feita de ressurreições, pensamos que apenas Cristo ressuscitou. Eu cresci acreditando que nós ressuscitamos todos os dias, quando dormimos, depois acordamos”.  O “além do humano” de Nietzsche, provocativamente colocado aqui, não é um divino nem um super-homem como, erroneamente se vê em algumas traduções. Esse além é exatamente o paradoxo de ser o “apenas” músico, “apenas” uma canção. Um apenas nunca é um só isso. Quando olho Seu Mateus vejo um homem livre, voluntário das suas escolhas. “Eu sou Roseiro”, ele diz. Ele é, afinal, […]

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