Ensaio

Gerd Bornheim: a verdade seja dita

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Gerd Bornheim: a verdade seja dita

Com o golpe civil-militar de 1964, especialmente depois da publicação do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5, a repressão a opositores políticos desembocou em perseguições e processos sumários de demissão na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foram trinta e sete professores expurgados, uma vergonha que virou livro assim que ocorreu a anistia, em 1979.

Universidade e repressão: os expurgos na UFRGS saiu pela editora L&PM. Entre outros documentos, o texto reproduziu um decreto de 29/08/1969, assinado por Costa e Silva, que declarou rescindidos os contratos de treze professores. Entre eles, o livre-docente em filosofia Gerd Alberto Bornheim, também diretor do Curso de Arte Dramática em 1967.

Nascido em Caxias do Sul em 19 de novembro de 1929, Bornheim teve pouco espaço nesse livro-denúncia. Talvez porque mesmo os do lado de cá não se sentissem à vontade para registrar uma das razões pelas quais ele entrou na lista dos militares. Algumas pessoas me passaram indicações de que a homossexualidade estaria entre os motivos, além, é óbvio, da pecha de esquerdista-comunista, retórica blá-blá-blá já naquele tempo. Luís Augusto Fischer e Sergius Gonzaga foram dois que ouviram falar sobre a relevância da orientação sexual no destino do docente. 

Bornheim concedeu uma entrevista para Léa Brenner, que saiu na Revista do Globo em 8 de agosto de 1961, portanto alguns anos antes do infame golpe. Na oportunidade, discorreu sobre diversos assuntos. “Sou alérgico aos que dão maior importância aos princípios do que às pessoas. Porque a moral não é anterior ao homem: está a serviço do homem.” Também se disse avesso ao puritanismo, “a arte de destruir em nome da virtude.” Amante da filosofia, informou detestar o imediatismo e o utilitarismo no dito homem prático. Também não via com bons olhos o provincianismo, o regionalismo.

Mas não tinha horror a tudo. Enquanto tomava chimarrão, fez um rol do que gostava: jazz, frequentar bares, conhaque, Heiddeger, Hegel e Nietzsche. Entre as leituras preferidas, a poesia de Eliot, Rilke, Mallarmé, Leopardi, Höelderlin, Valéry e Carlos Drummond de Andrade. Aproveitou para sentenciar: “Se pudesse escolher, gostaria de ser poeta.”

Sobre Porto Alegre, onde vivia, enfatizou sobre a quase ausência do teatro, outra coisa pela qual era apaixonado. Finalmente, sobre política, a Revista do Globo pontuou: “G. B. não tem temperamento nenhum de político, mas define-se numa posição francamente de esquerda, fazendo questão de frisar: ‘… embora esteja distante de uma posição extremada e comunista.’” 

A afiliação ficou mais nítida em um manifesto pró-Jango e Brizola, material escrito por Bornheim em 1964, que teria sido publicado na edição do dia 12 de abril de 1964 no jornal Última Hora, bem como lido na rádio da UFRGS. Dois anos depois, dois colegas professores o acusaram de subversivo e comunista com base no escrito para periódico, usado como prova. Assim teria sido aberto um processo interno com o objetivo de expurgá-lo. Isso consta no Informe 145/SSP/66, um documento da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, datado de 25 de maio de 1966.

Gerd Bornheim em 1961. Revista do Globo. Foto de João Vieira.

Em 1969, depois de perder o cargo na UFRGS, Bornheim também acabou demitido da Pontifícia Universidade Católica do RS. Depois de um tempo, foi para a Alemanha, onde foi professor no Instituto de Filosofia de Frankfurt. A saída do Brasil rendeu um longo lamento na edição de 23 de março de 1972 do Folha da Manhã. O texto foi assinado por Ivete Brandalise: “É uma perda brutal, porque traz consigo a possibilidade de ser definitiva. É uma perda cruel porque em um país subdesenvolvido, um homem como Gerd Bornheim é quase um acidente, uma sorte grande, uma pedra preciosa em um garimpo imenso.” Léa Brenner, lá em 1961, já havia dito que ele era “um tipo de pessoa que não pode ser definida. Dono de uma expressividade que ultrapassa todos os limites, é um filósofo no sentido exato do termo.”

E eu acrescento que, pelo jeito, já dava uma banana para a falácia da “ideologia de gênero” (expressão aqui usada anacronicamente), porque falava livremente sobre a orientação sexual em sala de aula. Isso porque encontrei algo que corrobora o que me foi repassado por Fischer e Gonzaga, que o ouviram dizer. No primeiro item do documento da Secretaria de Segurança Pública do RS, acima citado, constou: “O professor GERD BORNHEIM era assistente do prof. ERNANI MARIA FIORI na cadeira de Metafísica da Faculdade de Filosofia da UFRGS. Quando acabou seu contrato com o prof. FIORI, o mesmo não foi renovado porque o prof. GERD, além de homossexual, pregava o homossexualismo em aula.”

Em 1976, ele voltou ao país. Em 1979, com a lei da anistia, pode retomar o trabalho. O filósofo e crítico de arte faleceu em 05 de setembro de 2002, tendo deixado uma vasta relação de livros publicados.


Jandiro Adriano Koch, ou Jan, nasceu e vive em Estrela, RS. Graduou-se em História pela UNIVATES e fez especialização em Gênero e Sexualidade. Dedica-se a estudar e mostrar vivências LGBTQI+, especialmente em sua região, o Vale do Taquari. Dentre suas publicações estão Babá – Esse depravado negro que amou O Crush de Álvares de Azevedo (Livro do Ano no Prêmio Açorianos 2021), ambos pela editora Libretos.

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