Ensaio

Grécia, Roma e Antigo Egito nos nomes de prédios de Porto Alegre

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Grécia, Roma e Antigo Egito nos nomes de prédios de Porto Alegre

A história ensinada na escola transformou a todos nós em admiradores de principalmente três sociedades da antiguidade, que despertam uma mistura de curiosidade e reverência. São elas o Antigo Egito, a Grécia da Antiguidade Clássica e a Civilização Romana. De modo secundário, mas ainda assim sensível, conhecemos e temos admiração pela Babilônia, pelo Império Persa, pelos Hebreus e pelos Fenícios. Por conta de decisões políticas e culturais, autoritárias e de índole ocidentalizante branca, que afetam a produção dos currículos escolares, ao mesmo tempo que se produz conhecimento se produz ignorância. Tudo politicamente intencionado. Vai daí que quase nada sabemos acerca da história da China Antiga (certo senso comum se contenta em dizer que são amarelos e comunistas), da Índia (uma gente não muito branca, imersa em uma religião totalizante, e não muito limpa, seguindo tal senso comum), do Império do Japão (muitas vezes objeto de deboche por serem gente nanica e de olhos puxados, e supostamente os homens terem certo atributo corporal de pequena dimensão, embora sejam muito limpinhos), e desconhecemos quase por completo a história dos reinos africanos, como o da Núbia, e impérios como o de Gana ou o de Mali (nos damos por satisfeitos em saber que são uma população de negros e negras, e tudo fica na conta de africanos, sem reconhecimento de culturas próprias e diversas). Embora geograficamente próximas a nós, também temos em geral pouco conhecimento acerca das antigas civilizações americanas, como é o caso dos maias, dos astecas e dos incas (neste caso, nos damos por satisfeitos em visitar Machu Picchu).

Essa situação vem experimentando modificação na cultura escolar das últimas décadas, mas está longe de permitir um conhecimento mais abrangente e menos tendencioso da história dos povos. Percorrendo as ruas de Porto Alegre, tal realidade enviesada se comprovou nos nomes dos prédios. Várias referências a nomes que lembram o Antigo Egito, a Grécia e Roma antigas, e uma ausência gritante de referências a outras sociedades ou civilizações. Mas a coisa experimenta variações, segue a leitura.

Os nomes egípcios parecem já ter feito sucesso na designação de prédios construídos no meio do século passado. Depois caíram em desuso. E retornaram nos últimos anos. Na primeira leva encontrei nomes como Edifício Amon Rá, Residencial Quéfren, Residencial Quéops, Luxor (este um dos preferidos, achei três prédios), Alexandria (com dois exemplares).




Uma coisa interessante das placas dos prédios com nomes do Antigo Egito é que muitas vezes vêm acompanhadas de desenhos e ilustrações que fazem alusão à cultura egípcia, sendo os sinais preferidos hieróglifos, imagens de pirâmides e sol. Considerando que a imensa maioria das placas com nomes de prédios, ou a simples colocação do nome na parede frontal do prédio, não apresenta ilustração alguma, a variação chama a atenção no caso dos nomes que lembram o Egito Antigo. Parece que o nome puxa com força alguma imagem, evoca algo imagético, e ela então é colocada ali. Talvez algo de misticismo, ou algo de egiptomania. Vale dizer que isso se observa também nas placas de nomes de estabelecimentos, como é o caso de Lancheria Pirâmide, Borracharia Qeops, Lavanderia Rio Nilo: sempre há desenhos no entorno do nome, com motivos do Egito Antigo. Da conexão amorosa Egito e Roma, temos um Ed. Júlio César, e em outra parte da cidade um Ed. Cleópatra. 

Observa-se uma nítida preferência nos últimos anos por designar alguns empreendimentos residenciais na cidade com nomes do Antigo Egito, em safra de prédios novos. Neles, que penso serem todos da mesma construtora, aparece um design típico na placa em que se insere o nome, sempre acompanhada de desenhos em baixo relevo, cores em tons claros, e designações como Balady Residencial, Al Nur Residencial, Residencial Thot Mosis, Residencial Nefertari, Abu Simbel Residencial, Residencial Gizé, Residencial Lotus. São todos prédios recentes, dos últimos dez anos, e com a mesma marca tanto nos nomes – egípcios – como no estilo dos desenhos do entorno. É tendência que parece vir em crescimento na cidade, e que preserva tanto a opção por escolher nomes que lembram o Egito Antigo, quanto a preferência por cercar tais nomes, na placa, com desenho e alusões à cultura egípcia. Para ter uma ideia mais exata disso, confira as fotos no repositório indicado ao final.

Dos nomes que lembram a Grécia Clássica encontrei Morada de Helios (com um sol enorme fazendo o lugar da letra O), Tebas, Acrópole (pelo menos quatro exemplares), Olimpus ou Olimpo ou Monte Olimpo (outro dos preferidos, parei de contar e fotografar lá pelo sexto exemplar). Ed. Sparta e Edifício Esparta: achei alguns exemplares com esta variação de grafia. Do mesmo modo Athenas com th e Atenas sem th estão entre os preferidos. E achei um Edifício Marathon, que coloco aqui por associação a maratona, inventada pelos gregos, mas reconheço que pode ser um tanto forçada a manobra. Classifica-se como se pode, mas classifica-se sempre, já dizia o antropólogo Claude Lévi-Strauss. Encontrei três prédios com o nome de Edifício Grécia, mas penso que aqui a escolha foi mais pela homenagem ao país contemporâneo.

Fiquei admirado com a abundância em edifícios com nomes como Petronius, Demetrius, Antonius, Paulus, Claudius, Augustus, Maximus, Ottaviano Augusto. Indicam certa conexão entre antiguidade romana e masculinidade hegemônica. Parece que são vistos como nomes fortes, a produzir deferência. Há vários na cidade, e alguns são prédios comerciais. Mas também achei Advocatus e Populi. O nome Roma é um dos preferidos, achei vários exemplares, perdi a conta lá pelo oitavo ou nono. Edifício Caracalla, a lembrar as conhecidas termas, foi uma grata surpresa. E achei Ed. Etrúria.



Encontrei dois Edifícios Azteca, com esta grafia, para não dizer que ninguém se lembrou das antigas sociedades da América. Encontrei cinco prédios na cidade com nomes de lugares do continente africano: Ed. Mallawi, Ed. Luanda, Ed. Mali, Ed. Transvaal, Residencial Costa do Marfim. Não é exatamente o que eu gostaria de encontrar, como homenagem aos reinos africanos, e de todo modo é muito pouco. Para além dos reinos africanos, sempre é bom lembrar que, quando Cabral chegou por essas terras, na tal “descoberta”, encontrou povos originários aqui vivendo. Como sabemos hoje em dia, todos esses habitantes provinham do que é o atual continente africano, tendo aqui chegado entre 20 mil e 40 mil anos atrás. Homenagear o continente hoje chamado de África e suas regiões, em denominações de prédios da cidade, não é algo que se faça apenas por conta da vigência da escravidão entre nós; há outros bons motivos. Mesmo cometendo pequeno anacronismo, se pode dizer que, ao chegar aqui, Cabral encontrou povos de origem africana já habitando esse espaço. E levando um pouco adiante este pequeno anacronismo, podemos dizer que, no dia 23 de abril de 1500, quando Cabral permitiu que um grupo de marinheiros portugueses fosse até a terra, o que aconteceu foi, por uma certa versão, o encontro entre “portugueses” e “índios”, e, em outra versão, um encontro entre dois ramos de povos descendentes do mesmo local, o atual continente africano. Tendo feito trajetórias históricas diferentes, naquele momento se encontraram, ou se reencontraram. Eram irmãos, embora sem saber disso.

E vamos falar do silêncio gritante. Não achei registro de homenagem, via nomes de prédios, a outras civilizações antigas que não sejam as citadas. Não quero dizer que não existam na cidade, mas devo dizer que muito tenho trilhado por aí a fotografar nomes de prédios. Deixo então algumas sugestões para o ramo da construção civil, setor que no futuro breve possivelmente irá nos governar feito um senhor feudal. De proprietários ou inquilinos, passaremos todos a servos da gleba ou a vilões (camponeses que não viviam agregados ao mesmo pedaço de terra, e circulavam), e os nomes dos senhores que irão nos governar já andam aí, nas placas das construtoras e incorporadoras, e até em nomes de algumas ruas. Com tantas preocupações relativas à segurança residencial nos dias de hoje, me surpreende que algum empreendimento habitacional de classe média não ostente o nome de Grande Muralha da China Suítes. Além da garantia de solidez e segurança, teríamos também certo ar de grandeza, pois muita gente acredita que a grande muralha da China é possível de ser vista da Lua.

Outra sugestão seria nomear um prédio como Dinastia Ming Residential Tower, onde seria obrigatório aos residentes ter o serviço de jantar naquela porcelana com desenhos azulados sobre fundo branco. Isso sim é morar em lugar diferenciado. O resto é mais do mesmo. E considerando que a grande maioria dos nomes de prédios hoje em dia busca atrair distinção social a seus moradores, nada melhor do que radicalizar, assumir esse desejo claramente, se inspirar na história da Índia, e nomear um prédio como Condomínio Reserva Sistema de Castas. Temos na cidade uma enorme quantidade de prédios, residenciais e comerciais, usando os termos ouro ou golden e Eldorado. Com tanta mania de se valer do ouro para pensar nomes de prédios, é de se admirar que não tenha ocorrido a nenhum construtor que a sociedade Inca poderia fornecer bons nomes, a começar pelas fabulosas lendas que circulam acerca do Jardim de Ouro dos Incas, e da Cidade de Ouro dos Incas, no meio da Amazônia! E me indago por que ninguém lembrou dos Toltecas e dos Olmecas, que fizeram pirâmides e gigantescas estátuas, e caíram no esquecimento, levando a crer que pirâmide é coisa exclusiva do Egito Antigo. Dos indígenas brasileiros vou tratar em outro artigo.

Dos reinos africanos, destaco a sonoridade e a ancestralidade dos nomes, que poderiam embelezar a designação de prédios em nossa cidade, em nomeações tais como Reserva do Mali, Gana Towers, Condomínio Império de Oyo, Congo Suítes. Mas, infelizmente, o traço eurocêntrico branco e colonialista nos impede de andar por uma cidade cujos nomes de prédios fariam lembrar a diversidade da nossa constituição enquanto nação.

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  • Continuo estimulando que enviem fotos, nomes de prédios, curtas histórias sobre o assunto, ampliando as possibilidades de escrita. De Porto Alegre ou de qualquer outra cidade. Para isso, fica o contato, em [email protected]


Fernando Seffner – Professor na Faculdade de Educação 

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